ORAÇÃO DE POSSE DO CEL CLAUDIO MOREIRA BENTO NA CADEIRA GENERAL BENTO GONÇALVES DA SILVA DA ACADEMIA PIRATINIENSE DE HISTÓRIA (Em 8 Dez 2003).

Cel Claudio Moreira Bento

(Acadêmico e Presidente fundador da Academia Piratiniense de História)

 

Hoje me cabe a honra de inaugurar a cadeira da Academia Piratiniense de História que tem por patrono o General Bento Gonçalves da Silva, Presidente da República Rio Grandense que em Piratini teve seus dias mais gloriosos quando a ela pertenciam, desde 1831, os atuais municípios de Canguçu, Cerrito, Bagé até o Piraí e Pinheiro Machado.

Acreditamos sermos biógrafos do líder militar farrapo em nosso livro O Exército Farrapo e seus chefes. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,1991.v.1, em que o focalizamos a nível estratégico no contexto dos demais líderes farrapos e no da Revolução Farroupilha. Obra da qual entregamos exemplar a Academia Piratiniense de História quando de sua fundação.

Vamos hoje aqui tentar abordar como Bento Gonçalves veio a se relacionar com Piratini e por extensão com Canguçu e assunto para o qual historiadores locais espero, tentem aprofundar esclarecer mais este tema

Bento Gonçalves herói nacional que prestou assinalados serviços a preservação da Soberania e Integridade do Brasil nas guerras de 1811/12, guerras contra Artigas 1816/17 e 1821, da Independência do Brasil na Província Cisplatina 1921/22 (atual Uruguai) e na Guerra Cisplatina 1825/28, na qual teve atuação destacada na proteção da junção do Exército do Sul ao comando de Barbacena nas margens do arroio Lechiguana. Junção das forças retiradas de Santana com as enviadas de Pelotas. Manobra considerada obra prima estratégia militar. Na batalha do Passo do Rosário em 20 de fevereiro de 1827 comandou o flanco direito do Exército do Sul composto pela 2ª Brigada de Cavalaria e na retirada cobriu a Retaguarda do Exército do Sul.

A esse tempo já havia por seu imenso valor militar atingido a condição de Coronel de Estado- Maior da 1ª Linha do Exército Imperial.

E dele diria o mestre Arthur Ferreira Filho, grande intérprete do heróico espírito militar do Rio Grande do Sul.

"Bento Gonçalves foi o maior rio- grandense do período, herói autêntico, figura de romance e a encarnação das melhores virtudes do gaúcho."

Ao ser promovido a coronel em 1825, Bento Gonçalves assumiu o comando da Fronteira do Jaguarão a frente do 4º Regimento de Cavalaria do Exército.

Ao final da Guerra Cisplatina em 1828 o Exército do Sul ao comando do General Lecor acampou no inverno em Piratini, ainda distrito subordinado a Rio Grande. E foi aí que Bento Gonçalves passou a contatar com Piratini e Canguçu.

Esta guerra teve fim com o Tratado Preliminar de Paz de 27 de agosto de 1828.

Em conseqüência depois do Exército acampar por longo período em Piratini ele foi aqui dissolvido.

Entre seus oficiais os jovens Alferes Antônio Joaquim Bento (nosso trisavô) e Vicente Ferres de Almeida (trisavô de Odilon Almeida Mesmo), e que em Piratini casaram com duas irmãs filhas do português de Guimarães José de Mattos, o construtor da primeira igreja de Piratini em 1811-12, segundo Davi de Almeida em seu Piratini Roteiro histórico e sentimental.

As sucessivas guerras na fronteira de Jaguarão de 1801-1828 provocaram a construção de moradas luxuosas para a época em Piratini por estancieiros entre o Piratini e o Jaguarão.

A reunião de muitos militares de alta patente desmobilizados do Exército criou em Piratini um clima de efervescência revolucionária pela má condição da guerra e fechamento da fronteira do Brasil com a atual nação uruguaia, onde estancieiros brasileiros tinham interesses econômicos dos quais foram afastados.

Então, neste clima de insegurança na fronteira a primitiva Vila dos Casais e depois vila do Piratini e hoje Piratini tornou-se localidade segura e atrativa, crescendo a cada dia a sua população, prosperando em especial com a produção de trigo em suas terras férteis e, com o dorso da serra dos Tapes, assegurando comunicações a cavalo e de carretas "sem molhar-se as patas dos cavalos, das mulas e dos bois carreiros".

Assim, em 7 de junho de 1832 foi instalada a Vila de Piratini e entre seus 40 fundadores que figuram na Ata de Instalação lá está o nome Cel Bento Gonçalves da Silva, do mais tarde Comendador Manoel José Gomes de Freitas, patrono da Academia Piratiniense de História, de Serafim José da Silveira, nosso trisavô materno e tetravô de Barbosa Lessa e que presidiria em Piratini o Legislativo da República Rio Grandense; José de Mattos Guimarães (nosso tetravô paterno) já referido e construtor de moinho de trigo que deu o nome ao arroio do Moinho, e Bernardo Pires da Rosa, o simbolista farrapo e ancestral do Pires Moreira e Pires Terres de Canguçu.

Em Canguçu Bento Gonçalves tinha um amigo, Florentino Souza Leite que possuía residência ao lado do sobrado da Rádio Liberdade onde Bento Gonçalves se hospedava com freqüência. Sabe-se hoje que em Canguçu funcionava a principal loja maçônica da República Rio Grandense, sob a proteção da Serra dos Tapes. Era a Loja Maçônica Fidelidade e Esperança que foi freqüentada por Bento Gonçalves e onde, segundo a tradição, deixou seu malhete de jacarandá que trouxera da Bahia e oferta de maçons baianos que o libertaram.

Depois de fugir da prisão na Bahia em 10 de setembro de 1837 Bento Gonçalves atingiu Viamão QG revolucionário em 10 de novembro de 1837. E de lá veio para Piratini para daqui presidir a fase áurea da República Rio Grandense.

Quem melhor o definiu foi o canguçuense Tenente Manoel Alves da Silva Caldeira patrono de cadeira na ACANDHIS ocupada por nosso dinâmico confrade coordenador Cairo Moreira Pinheiro cujas mais profundas raízes familiares estão enterradas em Piratini. Escreveu em Canguçu o Tenente Caldeira:

"Bento Gonçalves foi o primeiro general da República, tanto pela tática, como pelo seu prestígio na Província do Rio Grande. Era um cidadão muito atencioso, prudente e valente, como o mais valente dos generais do Exército Farrapo. Era de boa estatura e bem feito de corpo. Tinha a cabeça pequena e redonda. Era a primeira espada da Província e conhecia a História Romana." E mais adiante:

"Bento Gonçalves era um homem prudente, não só em frente ao inimigo e também no círculo de seus amigos. Em combate era o primeiro visado pelo inimigo. Sabia o momento de atacar e de vencer, bem como o da retirada, quando julgada conveniente.

Era um homem popular e apreciado, bem apessoado, mais alto do que baixo. Possuía ombros largos e corpo desembaraçado e flexível. Era bonito e simpático. Era uma das maiores espadas de seu tempo. Desconhecia homem que lhe impusesse condições. Por tudo, o povo o seguia como se fora ele a alma dos rio grandenses. Ele era o símbolo da Liberdade.

Era um perfeito patriota. Possuía predicados desconhecidos pelo homem normal. Não era um homem de cultura comum. Era ilustrado e dava-se muito à leitura de obras de peso."

Domingos José de Almeida, o Ministro da Fazenda assim depôs sobre a cultura de Bento Gonçalves:

"Cultivou com grande assiduidade o seu grande talento no estudo da História. Principalmente sobre a vida dos grandes homens, dos quais sempre trazia alguns exemplos em suas conversas particulares."

Em 22 de fevereiro de 1845 em carta a Canabarro e apela com argumentos retirados de seu estudo de História:

"A paz é absolutamente necessária, pois os meios de a continuar escasseiam, o espírito público (opinião pública) esta contra qualquer idéia que tenda a prolongar seus sofrimentos, classificando de caprichosa a continuação da guerra atual.

Uma conclusão (paz) é sempre preferível aos azares de uma derrota e a história antiga e a moderna nos fornecem mil exemplos que não devemos desprezar."

Como concluí era estudioso de História e a valorizava. E História Romana berço da Arte Militar baseada na grande unidade militar a Legião, máquina de guerra poderosa com a qual os romanos dominaram a Europa e partes da Ásia e África por longo tempo como potência hegemônica.

Legiões romanas de onde até hoje derivam as variações da Arte Militar. Legiões que sucederam as Falanges Gregas na qual se inspirava o General José Antônio Netto que procurou imitar há 80 anos ao tomar de surpresa Pelotas, quando seu maior adversário o canguçuense Coronel Juvêncio Maximiano Lemos dava descanso para suas tropas aqui em Piratini.

Demonstramos que Bento Gonçalves estudava, conhecia e aplicava lições de História , qualidades notáveis para um patrono de cadeira nesta Academia Piratiniese de História ..

Bento Gonçalves não era rico o que sugere este decreto, pois teve que deixar todo o patrimônio que acumulara no Uruguai ao este começar a lutar para se tornar independente.

Por Decreto de 24 de janeiro de 1834 da Regência e assinado pelo Regente Brigadeiro Francisco Lima e Silva , irmão do futuro Duque de Caxias e irmão do primeiro general farroupilha João Manoel Lima e Silva foi-lhe concedida a pensão anual de 1.200 réis que assim justificou o citado decreto.

"Atendendo aos relevantes serviços que tem prestado por longos anos nas trabalhosas campanhas militares do Sul, onde sacrificou toda a sua fortuna, a maior parte dela despendida a serviço da Pátria e tomando em consideração que este benemérito coronel, possuindo fazendas no Estado Oriental, as abandonou ao inimigo que corajosamente debelara, desprezando seus convites com brio e honra que lhe são próprios, portando-se em todo o tempo com a maior firmeza de caráter, amor e adesão a Independência do Império, a sua Constituição e ao Sr. D. Pedro II, tendo sempre em maior conta o serviço da nação, do que a sua numerosa família que com ele passara as maiores privações. E reconhecendo a Regência que estes serviços tão importantes, até então não foram premiados ou compensados, foi-lhe concedida a pensão que foi aprovada pela Assembléia Nacional."

Ao ser assinada a Paz de Ponche Verde , Bento Gonçalves revelou a um amigo Dioniso Amaro da Silva. a sua pobreza em carta de 6 de março de 1845:

"Por fim temos uma paz que só conseguimos algumas vantagens pela generosidade do Barão de Caxias. Deste homem verdadeiramente amigo dos rio-grandenses que não podendo publicamente fazer-nos a Paz, por causa da péssima escolha dos negociadores e da estupidez sem igual dos que a dirigiram, nos fez o Barão de Caxias, o que já não podíamos esperar, salvando assim, em grande parte a nossa dignidade. Sigo para a minha pequena fazenda (Cristal), unicamente com a ingente glória de achar-se o homem talvez, mais pobre do país."

Vale lembrar em 2003 bicentenário do Duque de Caxias o Pacificador da Revolução Farroupilha o que dele falou seu único neto: Meu avô se alimentava bem e preferia alimentos da cozinha gaúcha e que o Rio Grande do Sul, pelo qual era senador e o presidira duas vezes, se constituía "a sua menina dos olhos e a toda hora falava das coisas do Rio Grande, de seus homens e possuía um sotaque gaúcho."

A segurança dos farrapos em Piratini e Canguçu teve fim em agosto de 1842 quando Chico Pedro ou Moringue o Ten Cel Francisco Pedro Brusque de Abreu estabeleceu em Canguçu a Ala Esquerda do Exército Imperial.

E para dali desalojá-lo Bento Gonçalves, agora um simples general farrapo partiu duas vezes em companhia do General Antônio Netto para atacar Chinco Pedro.

A primeira tentativa foi no que passou a História como o 1º combate de Canguçu na noite de 25/26 de outubro de 1943, na região das históricas Pedras das Mentiras em que foram surpreendidos por Chinco Pedro.

A segunda tentativa foi 11 dias mais tarde no 2º combate de Canguçu em 6 de novembro de 1943, em que Bento Gonçalves e Neto surpreenderam Chinco Pedro na hora do almoço no combate de Cerro do Ataque, nos fundos do Colégio N. S. Aparecida.

Neste combate renhido e sob vivíssimo fogo os farrapos tiveram 94 baixas e os imperiais, em trincheiras, só 19 baixas. Os mortos foram sepultados no cemitério que existiu no local do atual Grupo Escolar Irmãos Andadas de Canguçu.

Estudamos em detalhes estes dois combates em nossa obra Canguçu reencontro com a História.

Em 17 de junho de 1844 Chinco Pedro partindo de Canguçu atacou Piratini onde prendeu os coronéis José Marrano de Mattos e Joaquim Pedro Soares os mantendo presos em Canguçu por mais de dois meses, na antiga cadeia que ele mandara construir e só demolida quase um século mais tarde e que ironicamente dizia "ser um quarto de hóspedes".

Bento Gonçalves nasceu em Triunfo em 1788, um ano antes da fundação de Piratini. Era bisneto de Jerônimo de Ornelas. O pai de Bento, capitão de Ordenanças foi que adquiriu a estância do Cristal e mais outras próximas muito focalizadas na minisérie a Casa das Sete Mulheres. Bento Gonçalves se criou no local em Cristal onde existe sua casa transformada em sede do Parque Histórico Bento Gonçalves, tornando se um expoente nas lides campeiras ao lado de apreciável cultura absorvida com a orientação paterna, homem de larga visão.

Era bisneto de Lucrecia Leme Barbosa. natural de Guaratiguetá e consanguínea do bandeirante descobridor de Minas Gerais Fernão Dias Pais Leme, O Caçador de Esmeraldas o que explica a sua inclusão na ADALEME (Associação dos descendentes e afins dos Lemes) a qual integramos como descendente de Anna Rodrigues de Sene ,nossa trisavó com raízes nos Leme e casada com Antônio de Souza Mattos, nascido em Mostardas em 1788, cerca de um mês antes de Bento Gonçalves e avô materno do General revolucionário em 1923 Zeca Netto e um dos povoadores de Canguçu, na Armada e cujo retrato esta exposto no Museu de Canguçu.

Vale lembrar a proximidade da estância do Cristal com a de nossos trisavós na Armada Antônio de Souza Mattos e de Malquis José de Borba , natural de Triunfo onde nasceu em 1782, seis antes de Bento Gonçalves e ali conviveram.

Em 1811, aos 23 anos ingressou em Bagé no Exército Observador da Banda Oriental .Ao finas desta campanha foi residir em Cerro Largo(atual Mello) e ali aos 25 anos casou com Caetana, tendo como sogra uma gaúcha de Povo Novo. Ali se estabeleceu como comerciante e estancieiro e face a instabilidade do atual Uruguai foi informante do comandante da Fronteira do Rio Grande o Marechal Manoel Marques de Souza 1º atual patrono da 8ª Brigada de Infantaria Motorizada de Pelotas, por nossa indicação.

Seus negócios com o Brasil foram violentamente abalados com a decisão de Artigas de proibir a saída do atual Uruguai para o Brasil de gado, couros e sebo.

E ai depois de cerca de 16 anos de atividade comercial e temendo novas medidas restritivas aos seus negócios resolveu liderar uma guerrilha contra Artigas.

Artigas havia posto abaixo os seguintes negócios seus no atual Uruguai conforme carta que escreveu ao pai em 16 de setembro de 1816:

" Estou estabelecido em Cerro Largo( atual Mello) com negócios de fazendas e bebidas. Comprei uma estância por 30.000 cruzados, sendo 12.000 de sinal. Ela possui 15.000 reses, cavalos ,carretas ,escravos etc .E em 2 anos pretendo estar livre das dívidas."

Foi ai que artiguenhos invadiram Cerro Largo e saquearam e incendiaram suas vendas e colocando abaixo todos os seus planos financeiro .

Foi ai que aos 28 anos iniciou a sua carreira militar aos 28 anos como Capitão de Milícias líder de guerrilhas .E depois de 13 anos foi promovido a coronel de Estado- Maior do Exército.

Bento Gonçalves faleceu no inverno de 1849,com 61 anos incompletos em Guaiba na casa de seu amigo Gomes Jardim .Local onde preparara o início a Revolução Farroupilha em 20 de setembro ,processo revolucionário gaúcho encerrado 97 anos mais tarde justo aqui em Piratini com a prisão do Dr Borges de Medeiros no combate de Cerro Alegre.

O seu filho Caetano se destacou como coronel na Guerra do Paraguai como subordinado do General Antônio Netto , depois de atuação destacada na mobilização do 3º Corpo de Exército. Seu neto Major do Exército Bento Gonçalves da Silva comandou parte do Corpo de Transporte do Exército que escapou do sítio do Rio Negro ,em 28 novembro de 1893 e na defesa de Bagé que foi sitiada por 48 dias por federalistas.

Vale aqui lembrar aos piratinienses que no sitio do Rio Negro, força patriota ao comando do Coronel Maneco Pedroso e recrutada em Piratini, Canguçu, Cerrito, Pinheiro Machado e parte em Bagé , para defender os governo estadual e federal, depois de se render sob garantia de vida lavrada em ata, foi degolada inerme, em sua pátria, por mercenários platinos a serviço de federalistas. Esta uma mancha negra na História gaúcha , como também o massacre de federalistas no Capão do Boi Preto, em Palmeira das Missões.

Creio que cumprimos a nossa tarefa de elogiar nosso patrono de cadeira o General Bento Gonçalves da Silva, tão intimamente ligado às gloriosas tradições farroupilhas de Piratini e de seus distritos na época, as quais a patina dos tempos encobriu, restando a esta Academia Piratiniense de História, pesquisá-las, preservá-las, cultuá-las e divulgá-las.para as suas gerações do presente e do futuro. Muito Obrigado!