O MEU 20 DE SETEMBRO DE 2010 EM PORTO ALEGRE

 

Cel Cláudio Moreira Bento
Presidente do IHTRGS e Jornalista

 

            Comemoramos à tarde no Colégio Militar de Porto Alegre os 24 anos do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS), fundado em 10 de setembro de 1996, na Escola Técnica Federal de Pelotas, em comemoração ao sesquicentenário do Combate do Seival, vencido pela Divisão Liberal de Antônio Netto.

            Divisão Liberal resultado da mudança de denominação do Corpo da Guarda Nacional do Município de Piratini, que além do seu distrito sede era constituído dos distritos de Canguçu, Cerrito e Bagé até o Piraí.

            Esta Divisão Liberal foi reforçada por Lanceiros Negros, comandados pelo Coronel Joaquim Pedro Soares (1770-1850), veterano das guerras contra Napoleão na Península Ibérica e que dispôs as tropas da Divisão Liberal que venceram tropas imperiais ao comando do Coronel João da Silva Tavares, então Chefe da Guarda Nacional da Província do Rio Grande do Sul.

            Combate que analisamos pioneiramente à luz dos fundamentos da Arte Militar em nosso livro O Exército farrapo e os seus chefes, v. 2 p. 106/118.

            Combate que criou condições para, no dia seguinte, no Campo do Menezes, Netto, com sua Divisão Liberal integrada por filhos de Piratiní e de seu distrito  sede, e mais os de Canguçu, Cerrito e Bagé até o Piraí proclamarem a República Rio Grandense, que resistiu por mais de nove anos ao Império. Evento imortalizado em óleo que por longos tempos esteve no Palácio Piratiní onde era muito apreciado pelo Presidente Dr. Augusto Borges de Medeiros e que hoje decora o Posto de Comando do comandante do Regimento Bento Gonçalves da Brigada Militar.

            E há 24 anos o IHTRGS vem divulgando o Decênio Heróico. E com este objetivo já publicamos entre outros os seguintes trabalhos:

      - O Exército farrapo e os seus chefes, em 1992;

      - Memória dos sítios farrapos de Porto Alegre e da administração do Barão de Caxias. 1989

      - A grande Festa dos Lanceiros, 1971 pela UFPE (sobre a inauguração do Parque Osório).

      - O Negro e descendentes na Sociedade do Rio Grande do Sul.IEL 1975

      - História da 3ª Região Militar (1808-1889) e Antecedentes. 1994

      -Edição Histórica do Diário Popular de Pelotas, de 20 de setembro de 1985., sobre a Revolução na AZONASUL.

            E vários outros trabalhos sobre o Decênio Heróico, sem esquecer Autoria dos símbolos do RGS 1971 pela UFRPE, e Canguçu - reencontro com a História - um exemplo de reconstituição de memória comunitária, pelo Instituto Estadual do Livro. Com esta bagagem assistimos em Porto Alegre o emocionante desfile cívico militar comemorativo do dia 20 de setembro de 2010.

            Desfile comentado pela TV, com no qual assistentes espalhados pelo mundo enviaram e-mails emocionantes para jornalismo@tvcom.com.br. por vezes formulando perguntas que eram respondidas sempre que possível pelo professor Flávio Catani.

            E anotamos algumas imprecisões nas respostas:

            - Sobre a criação da Brigada Militar como sendo na Revolução Farroupilha. Em realidade ela foi criada em 15 de outubro de 1892 pelo Presidente Fernando Abott (ver História 3ª RM v.1 p. 53/57).

            - Lanceiros Negros: foi apresentado pela TV Com como tendo surgido no Combate da Azenha em 20 Set 1835. Em realidade, eles surgiram no Combate do Seival de 10 de setembro de 1836. Abordamos a sua História pela primeira vez no livro A Grande Festa dos Lanceiros, em 1970, sobre a inauguração do Parque Histórico Gen Osório. Repetimos isto diversas vezes, a partir de nosso livro O Negro na Sociedade do RGS e por último no Informativo O Gaúcho, junto com a matéria sobre o título O Espírito Militar do Poeta Mário Quintana.

           Mas no desfile foi passada ao povo a versão bastante manipulada sem apoio em fontes primárias autênticas,integras e fidedignas com apoio da mídia Gaúcha, de traição dos Lanceiros Negros em Porongos, contra abordagens históricas baseadas em fontes históricas fidedignas. E o pior, a Mídia não tem dado direito de resposta aos que combatem a versão de traição, tesede não traição que havia transitado em julgado no Tribunal da História do Rio Grande do Sul . E o povo gaúcho termina por acreditar na versão manipulada. É uma pena! Esta versão coloca como traidores Canabarro e várias lideranças farrapas presentes.

                  - Sobre o General Bento Manuel Ribeiro: foi divulgada a versão popular de um personagem sem personalidade por suas mudanças de lado, justificadas pelo grande Osvaldo Aranha, da qual partilho e publico em meu livro O Exército Farrapo e os seus Chefes. Personagem que foi linchado moralmente pela minissérie A Casa das 7 mulheres, da TV Globo. Lembro de um articulista de um jornal porto-alegrense que se orgulhava de sair de casa todas as manhãs para ir cuspir na rua General Bento Manoel Ribeiro.

            - Sobre a Revolução Farroupilha e a Maçonaria a idéia não foi completa. Existiam farrapos maçons favoráveis à Maçonaria Francesa ou Vermelha, que defendiam a República Constitucional. E maçons imperiais favoráveis à Maçonaria Inglesa ou Azul, defensores da Monarquia Constitucional, que era o caso do Barão de Caxias. E a paz foi firmada por acordo secreto dessas duas correntes e traduzida nas cláusulas de Acordo que pacificou a Revolução Farroupilha. Hoje as cores do Exército Brasileiro são Azul e Vermelho, são interpretadas por alguns maçons como selo do acordo dos que lutaram na Regência em campos opostos em defesa da Monarquia Constitucional, corrente vencedora que teve o trono para assegurar a Unidade Nacional. Na América Espanhola foi diferente. A corrente favorável à Republica Constitucional liderada por Simon Bolívar foi vencedora em Guayaquil sobre a corrente favorável à Monarquia Constitucional, liderada pelo General San Martin, ocasionando a sua retirada silenciosa para a Europa. E a América Latina perdeu a sua unidade e foi dividida em várias nações.

              - Lenços Vermelhos: foi observado que a massa dos desfilantes traziam no pescoço o lenço vermelho que nenhuma relação tem com a Revolução Farroupilha. Eles se referem à Guerra Civil de 1893/95. E creio que a maioria dos que usavam o lenço vermelho desconhecia o seu significado. No meu caso eu uso como lenço a bandeira tricolor primitiva dos farrapos. Pois os lenços vermelhos e branco foram uma traição aos ideais farrapos de Firmeza e Doçura representados por dois amores perfeitos no Brasão do Rio Grande do Sul e hoje substituídos por estrelas. Firmeza representa da por garra, coragem e combatividade em combate . Doçura representada depois da vitória por respeito como religião, a família, a honra, ao patrimônio e a vida do vencido inerme. E em 1893 os dois contendores desrespeitaram e degolaram o ideal farrapo de Firmeza e Doçura .

           - Ordem do Desfile: alguns e-mails traziam a sugestão de que primeiro deveriam desfilar os tradicionalistas e depois a Brigada Militar. Sugestão que me parece justa.

            - Cavaleiros da Paz: uma notável idéia. Iniciativa feliz que realiza cavalgadas divulgando a idéia de Paz! E praza a Deus consigam restaurar as virtudes gauchas de Firmeza e Doçura.

            - Causas da Revolução. Foram abordadas as causas clássicas. Aumento do imposto sobre a légua de campo e sobre o charque. O último foi poderoso determinante da revolta. O Rio Grande, na Guerra Cisplatina, havia combatido contra os argentinos e orientais e viram suas terras invadidas por inimigos que se apossaram de parte de seus rebanhos e não foram indenizados. E finda a guerra o Sudeste passa a adquirir o charque dos inimigos de ontem em detrimento do charque gaúcho agravado com pesados impostos.

            Mas até hoje tem sido ignorada a causa principal da Revolução Farroupilha, a Causa Militar. Uma reação militar nacional às absurdas reações da nova ordem que obrigou D. Pedro I a abdicar, e que decidiram que o Exército e a Marinha deviam se articular no litoral e nas fronteiras. Reação no Nordeste, no Ceará, que envolveu Sampaio, então soldado, em apoio ao seu comandante, no Rio de Janeiro, que para controlar a revolta da Guarnição do Exército foi organizado um batalhão constituído só de oficiais, que passou à história como Batalhão Sagrado. Revolta que se estendeu à maior Guarnição do Exército: a do Rio Grande do Sul, que dispunha de 5 unidades, sendo a mais poderosa Guarnição brasileira, constituída de três unidades de Cavalaria, uma de Infantaria e uma de Artilharia. Estas duas comandadas por oficiais cariocas formados na Academia Real Militar, os majores João Manuel Lima e Silva, que viria... Revolta que se estendeu à maior Guarnição do Exército: a do Rio Grande do Sul, que dispunha de 5 unidades, sendo a mais poderosa Guarnição brasileira, constituída de uma de Infantaria e uma de Artilharia. Estas duas comandadas por oficiais cariocas formados na Academia Real Militar, os majores João Manuel Lima e Silva, que viria a ser o 1º General farroupilha, tio do Barão de Caxias, e José Mariano de Mattos, que foi Ministro da Guerra farrapo, presidiu a República Rio-Grandense e, finda a Revolução, foi chefe de Estado-Maior de Caxias na Guerra contra Oribe e Rosas 1851-52. Em 1864 seria Ministro da Guerra do Império. E esteve presente, junto com Bento Gonçalves, na sessão maçônica que decidiu o 20 de setembro como data do início da Revolução, sendo considerado o idealizador do Brasão do Rio Grande do Sul, incorporado pela Constituinte de 1891 junto com outros símbolos farrapos.

     Outras figuras importantes e com grande influência nos Regimentos de Cavalaria de Jaguarão e Alegrete foram os coronéis de Estado-Maior do Exército, Bento Gonçalves da Silva e Bento Manoel Ribeiro.

            Bento Gonçalves comandava então a Guarda Nacional, integrada por charqueadores, estancieiros e fazendeiros, e com seus seguidores liderou o 20 de setembro. E com a Proclamação da República foi eleito seu Presidente. Bento Manoel, deposto o comandante das Armas e o Presidente Braga, assumiu o Comando das Armas e nele continuou, convidado pelo outro Presidente enviado para a Província.  Para ele os objetivos da Revolta haviam sido atingidos.

            Enfim a historiografia gaúcha precisa mergulhar nesta causa da Revolução que tem sido invisível há mais de século e meio.

            E aqui, por oportuno, sugiro que no próximo 20 de setembro a organização do evento convide historiadores do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, do Instituto de História e Tradições do Rio do Sul e do CIPEL a prestarem, através de rádios e TVs, esclarecimentos históricos a perguntas que lhe forem formuladas sobre questões históricas na forma como ocorreu à noite com a presença do historiador Moacyr Flores, Tao Golin e outros do interior, nas espetaculares abordagens do Hino Farroupilha, cuja música fora de autoria do Maestro Mendanha e a letra passou por diversas alterações.E isto se justifica pois o historiador e o jornalista possuem funções sociais e técnicas profissionais diversas e tem cada qual de respeitar e não invadir a função social do outro para a glória da Democracia.

            E igualmente notável foi a abordagem dos estrangeiros que participaram da Revolução Farroupilha, muitos dos quais abordamos em nosso livro Estrangeiros e descendentes na História Militar do RGS.

            Seria ideal que num desfile futuro fossem homenageados integrantes da Revolução Farroupilha de outros Estados. Como os mineiros que foram ministros dos três ministérios da República Rio-grandense e o que foi o Presidente do Governo da Província resultante da Revolução de 20 de setembro. E as lideranças militares farrapas: os cariocas João Manuel de Lima e Silva, José Mariano de Mattos, o paulista Bento Manoel Ribeiro e o português veterano da guerras napoleônicas na Península Ibérica Cel Joaquim Pedro Soares. Esteve, presente em nossas lutas no Sul de 1816/28 e que dispôs as tropas do Capitão Antônio Netto em Seival. Personagem que quase ao final da Revolução foi aprisionado em Piratiní, junto com o Cel José Mariano de Mattos e com o mineiro José Domingos de Almeida, pelo Cel Chico Pedro de Abreu, e recolhidos por algum tempo em Canguçu na cadeia por este mandada construir e que ele, ironicamente, mandava dizer para os farrapos “ser ela uma casa de hospedes para eles”, segundo colheu J. Simões Lopes Neto no Bosquejo Histórico de Canguçu na Revista do Centenário de Pelotas nº 12.