A GUERRA DA RESTAURAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL AOS ESPANHÓIS 1774-76

Cel Cláudio Moreira Bento(x)

 

A obra As Guerras dos Gaúchos, lançada em Porto Alegre (2008) sob a coordenação do historiador Günter Axt publicou trabalho nosso sob o título em epígrafe e foi uma síntese de nosso A guerra da restauração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1996. Obra com apoio nas Memórias do Tenente-General Henrique Böhn, comandante do Exército do Sul na reconquista, e de sua correspondência com o vice-rei do Brasil, traduzidas do francês. Esta síntese aborda duas invasões espanholas ao Rio Grande do Sul, em 1763 e 1773/74, pelos governadores de Buenos Aires D. Pedro de Ceballos (pelo litoral) e a do General mexicano D. Vértiz y Salcedo (pela campanha), e que erigiu, próximo à Bagé atual, a Fortaleza de Santa Tecla. Invasões que controlaram cerca de 2/3 do atual RS. No Rio de Janeiro o governo, na impossibilidade de socorrer a guarnição militar no sul, recorreu às guerrilhas, a estratégia do fraco contra o forte, que passou à história como “A guerra à gaúcha”, uma modalidade de Guerra de Resistência, baseada nesta diretriz: “A guerra contra o invasor será feita com pequenas patrulhas, localizadas em matas e nos passos dos rios e arroios. Deles sairão ao encontro dos invasores para surpreendê-los, causar-lhes baixas, arruinar-lhes gados, cavalhadas e suprimentos e ainda trazer-lhes em constante inquietação”.

As bases das guerrilhas foram na serra dos Tapes, em Canguçu atual e na Serra do Herval, em Encruzilhada do Sul atual, ao comando de Rafael Pinto Bandeira, ao sul do rio Camaquã, e de seu pai, Francisco Pinto Bandeira, ao norte. Realizaram notável trabalho a partir das bases militares portuguesas na vila de Rio Grande, no forte de São Martinho, ao norte de Santa Maria atual, e na Fortaleza de Santa Tecla, impedindo que as invasões dominassem mais áreas.

Em 1774 Portugal, após 11 anos de dominação espanhola reagiu. Mobilizou o Exército do Sul, forte de 4.385 homens de terra e mar, ao comando do Tenente-General Henrique Böhn, baseado em São José do Norte, defronte a Rio Grande, com o apoio de uma esquadrilha naval que chegou a 12 barcos, e com efetivos menores em Rio Pardo e Porto Alegre. Além das guerrilhas constituídas inclusive por paulistas vindos em 1754 com Gomes Freire de Andrade, concorreram para este esforço de guerra os atuais estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Santa Catarina e Paraná. Esta foi a primeira guerra externa em que o atual RS foi envolvido, e que definiria o seu destino brasileiro.

Portugal mandou três de seus regimentos de Infantaria, o de Moura, o de Extremoz e o de Bragança. O Rio de Janeiro enviou o seu regimento de mesmo nome e parte de seu Regimento de Artilharia. São Paulo o seu regimento de mesmo nome e sua Legião de Voluntários. Santa Catarina, uma companhia de Infantaria que guarneceu Porto Alegre. O Sul participou com o Regimento de Dragões do Rio Pardo e um Batalhão de Infantaria e Artilharia. O apoio econômico a este Plano consistiu em destinar-lhe os rendimentos das Provedorias de São Paulo e Rio de Janeiro, o subsídio voluntário e literário de Angola, 200 mil cruzados anuais e o equivalente a dois soldos de regimento da Bahia. O apoio de Engenharia consistiu na melhoria dos caminhos de Laguna a Rio Grande e roteiro com indicação de recursos locais. O apoio naval consistiu numa esquadrilha de 12 navios, dos quais dois construídos em Porto Alegre. Finda a concentração, iniciou ao final de 1775 a ofensiva para reconquistar o RS. Em 31Out foi conquistado de surpresa o Forte de São Martinho, por Rafael Pinto Bandeira, fazendo 40 prisioneiros e tomados recursos logísticos dos quais 7.100 cavalos e vacuns.

       Em 25Mar1776, depois de 26 dias de cerco, a Fortaleza de Santa Tecla se rendeu. Sua guarnição retirou-se para Montevidéu e a fortaleza foi arrasada. A Tropa foi a guerrilha do agora Major Rafael Pinto Bandeira e mais um contingente dos Dragões do Rio Pardo ao comando do Major Patrício Corrêa da Câmara. As conquistas de Santa Tecla e São Martinho liberaram o acesso das guerrilhas às Missões e às campanhas do Uruguai e liberaram extensas áreas controladas pelos espanhóis.

      Às 3 horas do dia 01Abr1776 iniciou o ataque noturno pelo Exército do Sul e pela Esquadrilha Naval à vila de Rio Grande. Agora com o apoio de 12 unidades navais. O ataque à vila através do canal sangradouro da Lagoa foi desenvolvido por dois destacamentos.

     O Ataque principal foi comandado pelo Major Manoel Carneiro com 200 granadeiros dos RI de Bragança e Moura. E foi guiado pelo Tenente Manoel Marques de Souza I, embarcados em jangadas especialmente construídas por militares de Pernambuco e com madeiras de lá enviadas. Percebido o ataque, os granadeiros desembarcaram com água pela cintura, a espada presa aos dentes e o bornal de granadas nas cabeças. Mas conquistaram o seu objetivo com sucesso.

      O Ataque secundário, com 200 granadeiros dos regimentos do Rio de Janeiro e o de Extremoz e ao comando do Major Soares Coimbra, atravessou o canal em barcos dos navios da Esquadrilha. E conquistou seu objetivo. E assim foram conquistadas e consolidadas duas cabeças de praia em Rio Grande. A vitória levou 30 horas. Ela foi muito feliz, pois foi tirado o máximo partido dos Princípios de Guerra do Objetivo, Surpresa, Manobra e Segurança. Depois disto, em operação semelhante à nossa, os norte-americanos do General George Washington, entre 04Jul e 25Dez1776, atravessaram de surpresa o rio Delaware e consolidaram a sua independência. Expulsos os espanhóis, foi consolidado o destino brasileiro do RS, comemorado no dia 07Abr1776 em solene Te Deum de ação de graças pela reconquista, defronte à atual Catedral São Pedro, presentes todo o Exército do Sul e a Esquadrilha. Era o fim de 13 anos de domínio espanhol.

(x) Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil