OS 150 ANOS DA GUERRA CONTRA ORIBE E ROSAS 1851-52

Claudio Moreira Bento (x)

Em 1851 o poder na Argentina era exercido fazia 22 anos por D. Juan Manuel Rosas, ou desde 1829 e, no fazia 17 anos Uruguai, ou desde 1834, por Manuel Oribe. Rosas alimentava o sonho de reconstituição do antigo Vice-Reinado do Prata e por via de conseqüência, a ameaçar a soberania e integridade do Brasil , do Uruguai e do Paraguai . No Prata projetavam-se interesses ingleses e franceses que contrariavam os do Uruguai, Argentina e Brasil. Rosas tentou interferir na Revolução Farroupilha. O Brasil reconheceu a independência do Paraguai em 1844.

Caudilhos platinos disputavam o poder!

Em 1850 Manuel Oribe hostilizou brasileiros residentes no Uruguai. O barão do Jacuí Francisco Pedro de Abreu, "O Moringue", que se celebrizara no combate à Revolução Farroupilha, agora liderando fazendeiros brasileiros, invadiu o Uruguai em ações denominadas Califórnias de Chico Pedro. Rosas exigiu satisfações, fato que terminou com o rompimento de relações Brasil - Argentina. Em 1850 o Brasil assinou com o Paraguai um tratado de aliança defensiva e ofensiva para fazer frente ao objetivo de Rosas de incorporar o Paraguai.

Na área do Rio Grande do Sul , desde 6 maio 1851,no 1º Distrito Militar(atual 3a RM), a movimentação foi intensa para o preparo de suas forças para a guerra iminente, ao lado de medidas políticas e econômicas e de aliança militar com caudilhos que se opunham a Rosas e Oribe.

O então Conde de Caxias foi nomeado presidente do Rio Grande e comandante da atual 3ª RM pela 2ª vez.

E a 3ª RM, ao comando de Caxias organizada em quatro divisões, constituiu-se no principal elemento terrestre para conduzir a guerra contra Oribe e Rosas em aliança com Urquiza, governador de Entre-Rios e Virasoro, governador de Corrientes e motivada pelas seguintes causas:

- Defesa dos limites do Brasil com o Uruguai

anos desde 1842 por Rosas

de brasileiros perseguidos no Uruguai por Oribe.

A guerra que então teve lugar, envolveu o território da 3ª RM e parcelas expressivas dos territórios do Uruguai e Argentina. Teria sido envolvido o Paraguai, se este tivesse cumprido o tratado de 25 Dez 1850 com o Brasil.

Em Caçapava do Sul foi construída uma enorme base logística nucleada pelo monumental forte D. Pedro II, ainda com suas muralhas de pé, para aproximar o apoio às operações contra Oribe e Rosas.

Caxias assumiu o comando da 3ª RM em junho e acelerou a concentração de suas forças na fronteira Brasil-Uruguai.

Concentrou o grosso em Santana do Livramento e colocou uma divisão em Jaguarão.

Operações contra Oribe

De Santana, Caxias lançou uma vanguarda ao comando do Ten Cel Manoel Luiz Osório para fazer a ligação com o Gen Urquiza, da qual nasceu o seguinte plano de operações aliado:

Urquiza, tirando proveito da cobertura da 3ª RM e da Esquadra, marchou para o Sul, sem honrar o combinado, levando como vanguarda Servando Gomes, que Oribe havia mandado para combatê-lo.

Nas imediações de Montevidéu, Urquiza, após escaramuças com Oribe, celebrou um Convênio de Capitulação sem consultar Caxias.

Caxias e as tropas da 3ª RM internaram-se no Uruguai. Percorreram 500Km de terreno difícil, agravado pelo mau tempo. Levaram, como impedimenta mais de 100 carretas tracionadas por bovinos, inclusive a artilharia de Mallet, que aí adquiriu seu apelido histórico de "Boi de botas", pois enfrentaram lama grossa no itinerário de marcha.

Então, as tropas da 3ª RM, revelando "elevado grau de abnegação, resistência e espírito de sacrifício" cumpriram etapas de 17 Km por dia, sem encontrarem locais para acantonar.

Em 14 out 1851, Caxias operou junção com Urquiza. Isso assinalou o término da guerra contra Oribe e, por via de conseqüência, garantiu segurança para os rio -grandenses da Fronteira ou moradores do Uruguai.

Guerra contra Rosas

Em 21 nov 1851, ficou estabelecido um tratado entre os aliados( brasileiros uruguaiose argentinos )contra Rosas e não contra a Argentina.

- A Cavalaria Argentina marchou por terra até a concentração.

A 1ª Divisão Brasileira destacada do nosso Exército embarcou em Colônia do Sacramento em nossa Esquadra e chegou em Diamante, em 20 dez 1851.

Em 30 dez 1851, havia sido concluída a concentração em Diamante, após 40 dias de haver sido decidida.

A transposição do rio Paraná, em Diamante, teve início a 23 dez 1851, com a Cavalaria de Urquiza atravessando a nado para estabelecer uma cabeça – de -praia na margem direita. Operação épica que descrevemos em Travessia Militar de Brechas e Cursos d’água no Brasil(1645-1986), em A Defesa Nacional (nº 723, Nov/Dez 1985). Transposição sem atuação inimiga que se estendeu por cerca de 15 dias. Nela a Esquadra Brasileira teve papel decisivo.

A Divisão de Cavalaria entre- riana, que atravessou o rio a nado, perdeu por afogamento muitos homens e cavalos.

Em 8 jan 1852, todo o Exército aliado havia transposto o rio e se concentrado em Espinilho.

E dali os aliados brasileiros, argentinos e uruguaios, sob o pomposo nome oficial Exército Grande da América do Sul, encetou sua marcha para Buenos Aires.

E, no dia 3 fev 1852, teve lugar a vitoriosa batalha de Moron ou de Monte Caseros, na qual a 1ª Divisão Brasileira destacada das tropas de Caxias, teve marcante atuação.

À Divisão Brasileira coube atacar o centro da posição inimiga, que era o ponto mais forte – El Palomar e Caseros, que os brasileiros conquistaram.

A Divisão Brasileira, que lutou em Monte Caseros, foi constituída ruída das seguintes unidades:

Total: 4.020 homens ou 1/6 do efetivo aliado.

Muito contribuiu para o rompimento da posição rosista atiradores de escol alemães, em número de cerca de 100, que foram espalhados entre as unidades brasileiras de Infantaria e armados de moderníssimos fuzis Dreyse de agulha, conforme abordamos em nosso Estrangeiros e Descendentes na História Militar do RGS, ao tratarmos dos Brummer, a Legião Alemã contratada na Prússia pelo Brasil para este conflito e composta de um BI, um RA e duas Companhias de Pontoneiros equipadas com equipagens Birago.

Enquanto isso se passava, Caxias, com o restante das tropas da 3ª RM em Colônia, e com apoio da Esquadra Brasileira, ali aguardava o desenrolar dos acontecimentos, após haver reconhecido, em 17 jan,1852 , a costa junto a Buenos Aires onde escolheu um local para um possível desembarque.

Rosas conseguiu evadir-se a bordo de um navio inglês. A Divisão Brasileira desfilou triunfalmente em Buenos Aires. Em 1º Mar, retornou coberta de glória a Montevidéu onde se reintegrou às forças da 3ª RM.

Com a vitória sobre Rosas forma definidos:

Como se vê, foi grande a repercussão geopolítica da atuação, mais uma vez da atual 3ª RM, ao comando de Caxias.

Esta campanha é tratada com riqueza de detalhes operacionais por Genserico Vasconcelos, e riqueza documental, por Bormann e Titara, nos seguintes clássicos:

BIBLIEX, 1941, v. 2 (baseada no livro a seguir).

Of. Tip. Gerson, 1912(É a obra mais importante de autoria de ex-

comandante da 3ª RM).

aliado libertador do sul da América. Rio, BUIBLIEX, 1950.

Bormann e Genserico são patronos de cadeiras da AHIMTB

Com a experiência adquirida na Revolução Farroupilha e na guerra contra Oribe e Rosas, Caxias, ao assumir o Ministério da Guerra pela primeira vez em 1855, procurou modernizar o Exército:

Deixou uma preciosa visão geral do território da 3ª RM entre as guerras contra Oribe e Rosas, 1851-52, e a do Paraguai, 1865-70, o médico alemão:

AVÉ-LALLEMAN, Roberto. Viagem pelo Sul do Brasil em 1858. Rio, INL,

1953, 2 v.

Itinerário que percorreu: Rio Grande–Porto Alegre–Rio Pardo–Santa Cruz- Rio Pardo – Cruz Alta – Cachoeira – Santa Maria – São Martinho – Missões – São Borja – Itaqui – Uruguaiana – Alegrete – Saicã – São Gabriel – Caçapava – Cachoeira – Rio Pardo – Taquari – Porto Alegre – São Jerônimo – Rio Grande – Pelotas – Rio Grande.

Ele evidenciou então as preocupações e preparativos na área da 3ª RM para com a Guerra do Paraguai, que ocorreria 7 anos depois .

A Infantaria passou a ser instruída pelo sistema do Cel Bernardo Antônio Zagalo. A Cavalaria adotou o regulamento do Mar. Carl Beresford que comandara a reação em Portugal contra a invasão de Napoleão. A Artilharia adotou o Regulamento da Guarda Francesa do Gen. Pardal, talvez influência de Mallet. A Engenharia ganhou a sua primeira equipagem de pontes Birago prussiana que por muitos anos foi usada em Rio Pardo.

Em 1860 Caxias adotou as Ordenanças de Portugal com as adaptações que a pacificação do Maranhão, São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul e Guerra contra Oribe e Rosas lhes impuseram. E justificou:

"Até que se possua uma doutrina genuinamente nossa".

E foi com esta doutrina que o nosso Exército iria enfrentar a Guerra do Uruguai, 1864-65, e do Paraguai 1865-70, contando mais com os ensinamentos colhidos da Guerra da Secessão nos EUA, a primeira guerra total da História Militar.

Para acompanhar-se a evolução administrativa do Exército no Império 1822-89 e os seus reflexos no Exército , consultar a obra:

PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo, Gen. Organização Administrativa

do Ministério da Guerra no Império. (Rio, BIBLIEX, 1986)

Dela podem se extrair informações, tais como as a seguir: As forças do Exército que combateram nesta guerra foram organizadas em acordo , Dec 762, de 2 fev 1851. Dispuseram de Ajudante General(com respectivos deputados do Ajudante General nas divisões. E as brigadas teriam assistentes do deputado por divisão e um assistente do deputado divisionário), o Quartel Mestre General(com um deputado por divisão e um assistente do deputado por brigada) e o Secretário Militar.

O Ajudante General era responsável por planos, operações, justiça, instrução, administração do pessoa. O Quartel Mestre General reunia funções logísticas (aquisição, depósito, transportes material e pessoal).

Explicamos isto em detalhes em O Exército na Proclamação da

República(Rio, SENAI, 1989).

Esta estrutura testada com sucesso na guerra em foco foi introduzida no Exército por lei 648, de 18 Ago. 1852.

Durante esta guerra, o efetivo das forças terrestres brasileiras era em torno de 28.371h, assim distribuídos: Exército 18.957; Forças Auxiliares – 1.091; Guarda Nacional destacada – 8.323h.

Dec. 553 de 5 Abr. 1852 aprovou o regulamento do Curso de Cavalaria da Província do Rio Grande do Su;. Dec 908 de Jun. 1852 aprovou regulamento de 26 artigos para os inspetores de Infantaria, Cavalaria e Artilharia das OM do Exército.

Dec. 7025, de 7 Ago. 1852, aprovou novo plano de uniformes.

Por aviso circular de 19 Ago 1893, o Exército criou escolas elementares, em suas OM, de primeiras letras, destinadas a praças que tenham revelado potencialidade de acesso, a cabos e sargentos. Era a origem das centenárias Escolas Regimentais. Caxias retornou muito doente desta guerra ,acreditando haver perdido definitivamente sua saúde que ele recuperou depois de longa estação e águas em Caxambú ,combinada por banhos de cachoeira em São João Del Rey .

(x) Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e do

Instituto de História e Tradições do RGS