GOVERNOS SUBMISSOS, NAÇÃO CONIVENTE

 

                     General da Reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva

Professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
 Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil

 

“... se não te apercebes para integrar a Amazônia na tua civilização, ela, mais cedo ou mais tarde, se distanciará, naturalmente, como se desprega um mundo de uma nebulosa – pela expansão centrífuga de seu próprio movimento” Euclides da Cunha.

Um princípio fundamental à boa condução do Estado é a coerência entre políticas, estratégias e ações efetivamente adotadas, mas não é assim no Brasil. Ao mesmo tempo em que anunciam a Amazônia como prioridade nacional e bravateiam - a Amazônia é nossa - os governos tomam decisões que comprometem a soberania e a integridade territorial na região, submetendo-se a pressões externas. Isso ficou claro quando o príncipe Charles, filho do presidente de honra da WWF, envolveu-se pessoalmente na questão da terra indígena (TI) Raposa Serra do Sol, realizando reuniões na Europa e visitas ao Brasil antes das sessões decisórias do STF sobre a demarcação daquela TI, chegando a ser recebido pelo presidente da República na véspera da última sessão do Tribunal. O resultado dessa pressão explícita demonstra a submissão da liderança nacional, iniciada na demarcação da TI Ianomâmi imposta pelos EUA e aliados em 1991. O interesse inglês em Roraima vem da Questão do Pirara (1835-1904) e ressurge como ameaça.   

A perda do Acre pela Bolívia em 1903 é um alerta ao Brasil, pois as semelhanças entre o evento passado e o presente amazônico são evidentes, particularmente no tocante às TI. A Bolívia no Acre, por dificuldade, e o Brasil na Amazônia, por omissão, exemplificam vazios de poder pela fraca presença do Estado e de população nacional em regiões ricas e cobiçadas. O Acre, vazio de bolivianos, era povoado por seringalistas e seringueiros brasileiros, respectivamente líderes e liderados, sem nenhuma ligação afetiva com a Bolívia. No Brasil, ONGs internacionais lideram os indígenas e procuram conscientizá-los de serem povos e nações não brasileiras, com o apoio da comunidade mundial. Assim, no século XIX uma crescente população brasileira estava segregada na Bolívia e hoje o mesmo acontece com a crescente população indígena do Brasil, nas TI, ambas sob lideranças sem nenhum compromisso com os países hospedeiros e sim com atores externos. Ao delegar autoridade e responsabilidades nas TI a ONGs ligadas a atores alienígenas, nossos governos autolimitam sua soberania como fez a Bolívia ao arrendar o Acre ao Bolivian Syndicate, binacional anglo-americana com amplos poderes e autonomia para administrá-lo. Décadas de erros estratégicos enfraqueceram a soberania boliviana no Acre, direito não consumado, pois aqueles brasileiros se revoltaram e separaram-no da Bolívia, que o vendeu ao Brasil. Não é que a história se repita, mas situações semelhantes em momentos distintos costumam ter desfechos parecidos, para o bem ou para o mal, se as decisões adotadas forem similares. Um cenário de perda, semelhante à sofrida pela Bolívia, existe na calha norte do rio Amazonas, na faixa de fronteira, com destaque para Roraima.

A história tem outros exemplos semelhantes. Na ex-província sérvia do Kosovo, cerca de 90% da população não era nacional, mas albanesa separatista. Em 1974, o Kosovo recebera autonomia, cuja cassação em 1999 revoltou sua população. Ante a violenta reação da Sérvia e não tendo seu aval para entrar com forças de paz na região, a OTAN moveu uma campanha aérea arrasadora, dobrando aquele país. O direito de soberania sérvia, reconhecido no mandato da ONU que autorizou a intervenção de uma força de paz, não impediu a independência do Kosovo em 2008.

Conclusão! Num país onde uma região rica é um vazio de poder, sem população nacional, ocupada por população segregada, considerada estrangeira e sob liderança alienígena ligada a outros países projeta-se um cenário de perda de soberania e integridade territorial a despeito do direito internacional. Ao contrário de Bolívia, Brasil e Sérvia, a China povoou o Xingiang com etnia han, neutralizando o separatismo dos uigures. Sua liderança aprendeu com a história a resistir a pressões estrangeiras.   

A Amazônia brasileira nos pertence por direito, mas só a ocupação e integração efetivarão a sua posse. Em poucas décadas, haverá grandes populações indígenas desnacionalizadas e segregadas, ocupando imensas terras e dispostas a requerer autonomia com base na Declaração de Direitos dos Povos Indígenas, aprovada na ONU com apoio do Brasil. Se não atendidas, solicitarão a intervenção das Nações Unidas com base na Responsabilidade de Proteger, Resolução de 2005. Um sem-número de TI, com mais autonomia que os estados da Federação, comprometerão a governabilidade e a integridade territorial num Brasil ainda em formação, pois a Amazônia não está totalmente integrada.

Hoje, é forte a pressão para transformar TI em territórios autônomos governados por índios, iniciativa que reúne atores externos e a quinta coluna em órgãos governamentais e na sociedade, agindo em consonância com interesses alienígenas. Há indícios de omissão e acomodação de órgãos dos Poderes da União à constituição de polícia indígena em TI. Ou seria apoio implícito? Essa polícia ilegal já está achacando os índios nas aldeias, sendo possível que, em breve, seja cooptada por grupos ilícitos transnacionais, o narcotráfico ou a narcoguerrilha das FARC. Poderá, ainda, ser a milícia indígena de pretendidos territórios autônomos, não como força policial, mas sim embrião de uma guerrilha separatista com reconhecimento internacional, pois sua existência atesta ao mundo a falência do Estado brasileiro nas TI.

Povo e nação em território com organização política, social, jurídica e militar, haja vista a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas; e com autonomia reconhecida nacional e internacionalmente é Estado-nação independente. Assim seja! Só merece um bem quem o ama e defende.