GENERALÍSSIMO MANOEL DEODORO DA FONSECA
O PROCLAMADOR DA REPÚBLICA
Cel Cláudio Moreira Bento
Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil
Há 119 anos , em 15 de novembro de 1889, uma Sexta-feira, pela manhã, o então Marechal de Campo Manoel Deodoro da Fonseca, liderando tropas da guarnição do Rio de Janeiro (Corte), penetrou no quartel-general do Exército, local do atual Palácio Duque de Caxias, no Campo de Santana, onde se reunia o Gabinete Ouro Preto. E como feliz desfecho de uma bem urdida, coordenada, sucedida e incruenta conspiração republicana, o Gabinete foi deposto sem nenhuma resistência ou protesto expressivo. Assim, segundo Calmon, "Deodoro apoderou-se da situação, conquistou o governo que passou a presidir o futuro", proclamando a República, á tarde, através do decreto n.º 1 do governo que passou a presidir, regime consagrado mais tarde pelos constituintes de 1891.
A proclamação foi o final feliz de pelo menos oito anos de luta de Deodoro em defesa da classe militar e do Exército, como instituição. Luta iniciada em 1881, depois do falecimento dos heróicos General Osório e Duque de Caxias, com a fundação do Diretório Militar na Igreja Santa Cruz dos Militares, que tinha como órgão de comunicação o jornal O Soldado. Luta que teve seus pontos culminantes com Questão Militar, anulação de punições injustas impostas ao coronéis Cunha Mattos e Sena Madureira; fundação do Clube Militar, em 27 de junho de 1887; petição á princesa Isabel, em 26 de outubro de 1887, solicitando a libertação do Exército da captura de escravos fugidos; reunião do Clube Militar em 9 de novembro de 1889, quando ficou decidida a República, e aliança visando á República, em 11 de novembro de 1889, com liderança civil republicana, na atual e histórica Casa de Deodoro, no Campo de Santana.
Sem Deodoro, com o apoio expressivo da Guarnição Militar da Corte, (Exército, Marinha, Polícia Militar e Bombeiros), segundo declarou mais tarde, Quintino Bocaiúva, líder civil do movimento, ainda hoje estaríamos em propaganda republicana, dentro das muralhas do 3º Reinado. Assim, através do Marechal Deodoro, falaram os inconfidentes mineiros e baianos, os poetas da Inconfidência Mineira, os libertários nordestinos de 1817 e 1824, a quase maioria dos deputados gerais da Regência, os rio-grandenses e catarinenses farroupilhas, os sabinos da Bahia, os convencionais de São Paulo, de 1870 (Itu) e 1873 (São Paulo), os vereadores gaúchos signatários da moção plebiscitaria de São Borja, os clubes republicanos brasileiros, os abolicionistas, os militares e, ainda em 15 de novembro de 1889, o povo do Rio de Janeiro (Corte), através de sua Câmara, que também proclamou a República.
Quem foi Manoel Deodoro da Fonseca, consagrado como proclamador e implantador e primeiro presidente da centenária República Brasileira e generalíssimo de terra e mar, caso único na História do Brasil, além de interprete, líder e defensor inconteste das prerrogativas, dos brios, honra e interesses da classe militar de 1884-89, no contexto da Questão Militar, de onde emergiu politicamente por suas posições firmes, claras, corajosas e sobretudo autênticas, em defesa do equilíbrio de classes na construção do Brasil, conforme se concluiu da magnífica conferência do professor Américo Jacobina Lacombe, em 19 de julho de 1989, no IHGB, no curso "Os Militares e a Política".
Deodoro era natural de Alagoas, filho da heroína Rosa da Fonseca. Estudou na Escola Militar da Praia Vermelha. Fez toda a campanha do Paraguai de 1865-70.
Em 1873, em São Gabriel-RS, ingressou na Maçonaria na Loja Rocha Negra, fundada pelo conde de Porto Alegre, para promover a abolição e a instrução pública. Neste mesmo ano, ele e seus irmãos deram liberdade a todos os escravos da família. Foi uma vida toda consagrada, sem esmorecimento e como religião, aos seus irmãos de armas, ao Exército e a Pátria Brasileira, na paz e na guerra, segundo interpretou o ilustre historiador General Lyra Tavares.
Vida assinalada pela conquista de suas três promoções de oficial superior, por atos de bravura, em lances memoráveis de audácia e coragem militares, durante a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, além da Medalha do Mérito Militar, pela prática reiterada, na citada guerra, de atos de bravura em combate. Recorde singular entre seus irmãos de armas e de grande repercussão positiva na sociedade civil do seu tempo, de molde a comovê-la. Pois eram tempos em que o Brasil tratava batalhas decisivas para firmar a unidade, integridade, soberania ameaçadas interna e externamente. O corpo do velho marechal era marcado de cicatrizes de combate. Dentre elas, avultava a do ferimento recebido no encontro de Soledade, na Revolução Praieira, em Pernambuco, e mais o ferimento grave, a bala, recebido na baixo ventre, no quadro dos três tiros de fuzil que o atingiram em Itororó, quando, num rasgo de bravura, tentava ajudar a abrir caminho para o Exército só dar aquela histórica ponte.
Em Itororó, mesmo ferido, assistiu eletrizado o então marquês de Caxias, após perceber o momento crítico de Itororó, assumir sua condição de líder de combate, desembainhar sua já invencível espada de 5 campanhas, brandi-la ao vento, voltar-se firme para o Exército detido e gritar-lhe com energia:
"Sigam-me os que forem brasileiros:"
Ato contínuo, lançou-se veloz com seu cavalo de guerra sobre a ponte, arrastando eletrizado, em sua retaguarda todo o Exército, e indiferente ao perigo.
Hoje, sabe-se que mais pela capacidade de praticar atos de inaudita bravura e desprendimento, da forma descrita, como a praticada em Itororó por Caxias, do que por habilidade ou vocação política, é que Deodoro foi escolhido para liderar a proclamação e implantação da República. Fato demonstrado, então, na conquista pessoal que ele fez do velho quartel-general, atual Palácio Duque de Caxias, defendido por bravos chefes e valorosas tropas do Exército , Marinha e Bombeiros leais ao Império. Deodoro postou-se na frente do quartel-general, manhã de 15 de novembro de 1889, no comando da 2ª Brigada de Infantaria e Escola Superior de Guerra, vindas de São Cristóvão.
Pessoalmente e praticamente sozinho, com o boné na mão direita, montado em seu cavalo de guerra, o baio n.º 6, e a trote, dirigiu-se para o seu grande encontro com a História. Ou seja, para o portão principal do quartel-general, que encontrou fechado. Em alto brado ordenou, com voz enérgica, que a guarda o abrisse. Obedecido, mas surdo a uma reação defensiva da tropa formada no seu interior, avançou em direção a ela. Ao defrontar o 7º BI, ordenou que a banda abrisse o toque que lhe cabia de direito. Neste exato momento, um capitão do 7º BI deu um brado: "Viva o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca! " Toda a tropa defensora do império respondeu: Viva!Viva!Viva!" Estava, pois, reunificado o Exército, proclamada de fato a República do Brasil, tudo em razão da autoridade moral, legenda de bravo e carisma do marechal. Fora contornado o mais serio obstáculo á implantação da República - a possível reação das defesas de quartel-general e, como sentenciou o mestre Pedro Calmon, " Deodoro então apoderou-se da situação, conquistou o governo e presidiu o futuro".
A República Brasileira foi conquistada no quartel-general do Exército, no Campo de Santana, pela bravura e coragem pessoal de Deodoro e com o seu prestígio no Exército Brasileiro.
Segundo o acadêmico Lyra Tavares, " Deodoro nascera para o comando e ignorava os manejos e acomodações políticas". Mas não se entenda isto como falta de inteligência, sobre a qual falou Rui Barbosa.:
"Deodoro era uma inteligência clara, lúcida e penetrante, jamais lhe expliquei problema algum que logo não o compreendesse.'
Além de bravo e inteligente, era humano. Contam que recusou a aceitar um entendimento com D. Pedro II, na madrugada de 15 de novembro, por quem ele e toda a família Fonseca nutriam apreço, admiração e alguns até mesmo veneração, sob o humano argumento:
"Eu não posso ir. Eu não devo ir. Pois se eu for, o velho imperador chora. Aí, eu também choro. E nesta altura, tudo estará perdido! Não vou!"
Era o homem que naquele momento revelava-se sentimental, como quando perdeu a mãe, aos 49 anos, que no dizer de seu biógrafo, o historiador militar Roberto Piragibe da Fonseca, sentiu-se dias como um órfão-criança.
Sobre a disciplina militar, em defesa da classe militar, na Questão Militar ele expediu o seguinte conceito numa resposta ao governo:
"A disciplina militar exige o brio e a dignidade da farda do soldado. Sem o brio e a dignidade, o soldado não cumprirá o dever que lhe é imposto - o dever de sangue!" E prossegue:
"Sabe perfeitamente o que é disciplina militar somente aquele que, no horrível momento do combate, tem a responsabilidade, a mais elevada, a do soldado. E se ao soldado faltar o brio, dignidade e o amor próprio - o que restará (pt de interrogação)
Admirador de gestos de hombridade e de coragem moral, quando do embarque para o exílio do visconde de Ouro Preto, que ele depusera do governo, para implantar a República, mandou-lhe dizer, pelo seu irmão João Severino, que era testemunha do seu comportamento digno e altivo quando da proclamação e que por isso o admirava, apesar de estarem em campos opostos.
Em carta ao imperador, em 5 fev. 1888, procurando defender de perseguições das quais continuavam a ser vítimas alguns militares, escreveu:
"Senhor! A obediência do soldado não é cega. Ela não vai até ao próprio aviltamento. O soldado é obediente, mas não é servil. E aquele que não repugnar atos de baixeza servilismo não é digno da farda que veste, a qual V.M. Imperial honra, vestindo-a"
Aqui, queremos deixar claro, com o apoio no mestre Gen Jonas Correia, que Deodoro foi antes de tudo um soldado: Nasceu soldado, viveu exemplarmente como soldado e morreu como soldado. E como tal, um dos nossos maiores deve ser julgado pelo tribunal da História do Brasil.
Ele faleceu em 23 de agosto de 1892, aos 65 anos. Levou para o túmulo somente a modesta medalha da Confederação Abolicionista, recebida por sua ação á frente do Clube Militar, quando assinou petição antológica a princesa Isabel, relativa á libertação do Exército do encargo de prender escravos fugidos.
Ao morrer, sem descendências, seu testamento foi avaliado em 11 contos de réis, constante de uma casinha num arrabalde de Niterói, avaliada em oito contos, um par de abotoaduras de punho, um botão de peito de camisa e o mobiliário da modesta casa de aluguel, onde faleceu, em Botafogo.e conforme versejou Tobias Barreto:
"Deixai que eu pague o atributo que mais fala ao coração.
Deodoro, águia sem rapacidade Grande herói sem ambição!!
Para finalizar, recordo sua reposta ao barão de Cotegipe, em 4 de outubro de 1886, em plena Questão Militar, na condição de presidente e comandante- das -armas da província do Rio Grande, ao ser acusado de estar sendo instrumento de exploração política republicana, ao sair em defesa do direito consagrado dos militares se manifestarem pela imprensa sobre assuntos que não envolvessem ofensas a seus camaradas.
"Não há exploração política nem exaltação de ânimos. Todos os oficiais, generais e outros se mostram muito sentidos, inclusive eu, com a nova e vexatória imposição de os privar de pronta e imediata defesa e têm para isso sobeja razão. Todos reconhecem, porque são disciplinados, a conveniência da judiciosa proibição de discussão pela imprensa, sobre fatos de qualquer natureza, mesmo particulares, em que envolvam superiores, colegas e inferiores. Ser, porém, privado e punido por pessoas alheias á classe e que não estejam investidas de caráter superior pelo mando administrativo, é duro, humilhante e prejudicial. Peço leitura de meu ofício de 3 de setembro ao ajudante-general. Justa é a dor pela imposição com que querem amesquinhar o Exército, sempre subordinado E tem o soldado o calo pisado e não aquele que pisa. Se como presidente e Comandante- das- Armas tenho deveres, como soldado ofendido pela ingratidão, para com a classe os tenho também, porque assim exige a disciplina, moralidade e brio do soldados que defendem a Monarquia. Afianço a V.Ex.a. que há calma, e afianço também que será uma desgraça a imposição ilegal com que se quer oprimir o Exército. Devo usar de clareza nesta comunicação. A corporação militar da Província deposita em mim, como seu interprete, suas justas queixas e pede o valimento de Vexa."
Este ofício teve grande repercussão nacional e provocou a aliança dos Marechais Câmara e Deodoro. Daí a proclamação da República foi um passo. Os incidentes entre o governo e o Exército foram tantos que a proclamação da República foi imperativo de sobrevivência do Exército, como instituição nacional permanente.
Assim, Deodoro, entre a amizade e fidelidade ao imperador e a extinção do Exército e espezinhamento da classe militar, ficou do lado dos interesses do Exército e da sua classe.
Conta-se uma história sobre uma ratazana contentemente atacada por um gato faminto, que , a cada vez que agia de surpresa, matava vários ratos. Para enfrentá-lo, foi decidido uma assembléia dos ratos para descobrir-se uma estratégia de como conjurar, aquela grave ameaça.
A idéia salvadora e unanimemente aprovada foi a de que um rato corajoso e desprendido deveria tentar colocar um guiso no pescoço do gato. Assim, sempre que este fosse atacar, o guiso alertaria os ratos para o perigo eminente e conseqüente fuga.
O entusiasmo na assembléia foi grande e contagiante, até que em rato perguntou:
- Está tudo bem! Mas quem irá colocar o guiso no pescoço do gato(pt interrogação)
Houve um clima de expectativa seguido de desânimo geral. Não se apresentou nenhum rato para a perigosa aventura!
Meus senhores! Qualquer semelhança do que irei afirmar é mera coincidência, guardadas as devidas proporções para proclamar que o Marechal Deodoro foi entre os republicanos brasileiros, á semelhança da estória dos ratos, o elemento decisivo corajoso e desprendido que faltou naquela mencionada assembléia. Ele decidiu jogar tudo numa cartada arriscada e perigosa, em benefício da coletividade. E isto, e somente isto basta para consagrá-lo entre os grandes brasileiros, como grande e valoroso soldado brasileiro que proclamou a República Brasileira. Justiça histórica se lhe faça, pois!
Deodoro, penso , foi o brasileiro providencial para liderar o advento pacífico e com o mínimo de traumas possíveis a centenária Republicana Brasileira.
Ele é o credor, em grande parte, do mérito contido neste comentário do jornal A Província de São Paulo, de 16 de novembro de 1889.
"Nunca uma República foi proclamada com tanto brilhantismo e tanta paz".