ENTREVISTA DO HISTORIADOR MILITAR CLAUDIO MOREIRA BENTO AO PONTE VELHA

Em 2001 no bicentenário de Resende

 Assuntos da entrevista do Cel Cláudio Moreira Bentopresidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB) ao jornalista Gustavo Carvalho e ao poeta Paulo(Mauá)  Cavalcanti para o  Jornal Ponte Velha de Resende onde respondeu sobre os seguintes pontos: Seus laços genealógicos em Resende. O Entrevistado e a História do Exército e da AMAN. O patrimônio da AHIMTB sobre a AMAN e Resende . O Brasil na Guerra do Paraguai e os 250 resendenses que nela participaram. Exercito Profissional ou Serviço Militar Obrigatório. A História Militar e sua contribuição a Doutrina Militar do Exército. Exemplos de guerras de resistência no Brasil contra invasões estrangeiras. Propaganda internacional negativa sobre a Amazônia. Qual será o seu  destino? Projeção da AMAN em Resende . Feita justiça histórica ao Conde de Resende pela Câmara de Vereadores cuja memória fora deformada. O Serviço Militar um imposto pago pelo jovem para desfrutar de Segurança pelo resto de sua vida. Soldado brasileiro admirado no exterior. Resende e a Revolução de 32. Um escolha geopolítica, a de Resende para sediar a AMAN e . História é verdade e Justiça etc

                                   



Apresentação do Entrevistado pelo Ponte Velha

 


 

 

Coronel Cláudio Moreira Bento, historiador e gaúcho de Canguçu ,mas com laços genealógicos em Resende, e residindo em Resende/Itatiaia há 24 anos, criador da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, em 1o de março de 1996 (data expressiva porque é aniversário do término da Guerra do Paraguai - o maior conflito em que o Brasil já se envolveu - e o aniversário do início do estudo militar acadêmico em Resende), criador das Academias de História de Resende, Itatiaia e Barra Mansa , Itajubá e Canguçu e do Instituto de História e Tradições Gaúcho .A Academia de História Militar , de amplitude nacional ,segundo ele, é o centro que reúne maiores informações sobre a história militar terrestre em todo o Brasil, sendo que o Exército Brasileiro seria um dos poucos a possuir uma teoria geral de sua história e que ele segue .Menciona também que sua academia é a que tem mais informações sobre a história de Resende e que possui delegacias no RS,PR,SP,DF,RJ,CE e cidades de Campinas e Caxias do Sul

GUSTAVO :Cel Bento poderia sinteticamente estabelecer seus laços genealógicos com Resende/Itatiaia

BENTO :.As guerras no Sul 1763/76 e ,em especial, depois o Tropeirismo de Mulas, determinou um intercâmbio entre Resende ,produtor de café e a minha região produtora de mulas .Estas vitais para acionar as fazendas de café e transportar o produto para Angra .Nas citada guerra foi para O Rio Grande um filho desta localidade o Cap de Milícias Franscisco Soares Louzada ,dos primeiros povoadores de Canguçu ,com cujos descendentes minha família ligou-se por laços de amizade e sangue . Integro em Canguçu como descendente dos Lemes a Associação dos Descendentes e Afins do Lemes ,tão ligados a Resende como seu donatário de Honra Cel Fernando Pais Leme da Câmara. Descendo dos Gomes pelo lado dos Gomes de Borba ,parentes do Gomes Jardim, ligados aos primórdios do município de Resende e aos Gomes de Freitas ,como um rico membro desta ilustre família muito católico que no Império deu expressiva quantia a Santa Casa de Resende para comemorar condignamente e anualmente a procissão de Corpus Cristie Creio que atendi sua pergunta !

GUSTAVO: Podemos dizer que a pessoa mais importante da História Militar terrestre do Brasil é o senhor.

 BENTO: Eu tenho a impressão de que eu seja uma delas , por isso importante. Pois é um campo a que eu me dedico de corpo e alma como hobby há 46 anos Eu coordenei o Parque Histórico Nacional dos Guararapes; fui para o Estado Maior do Exército e participei em 1972 do projeto História do Exército Brasileiro, estou ligado à criação do Museu do Exército no Forte de Copacabana, fui instrutor de História Militar aqui, tenho 7 trabalhos premiados e inclusive no Exército dos Estados Unidos e sou autor de um Manual Como estudar e pesquisar a História do Exército e dirigi por 5 anos o Arquivo Histórico do Exército etc

GUSTAVO: O Sr. diz que a sua Academia de História Militar( AHIMTB) tem mais informações sobre Resende do que a ARDHIS (Academia de História de Resende)?

BENTO: Mais do que a ARDHIS, creio que sim !.Faço isto há 23 anos

GUSTAVO: Mais do que o Claudionor Rosa?

BENTO: Creio que sim ! É só conferir !. Faço isto há 23 anos !

PAULO: Com o sistema de informatização de hoje, qualquer outra academia poderia ter o mesmo volume de informação que o senhor tem aqui.

BENTO: Isso é difícil porque eu tenho aqui peças, livros raros que coleciono a 42 anos e muitos instrumentos de trabalhos do historiador Por exemplo, temos aqui na AHIMTB uma preciosidade: o único índice da revista da AMAN, desde 1922. Agora, eu tenho um site na Internet que já está na ordem de oito mil visitas, com consultas dos Estados Unidos, da Europa, de brasileiros militares que estudam lá me pedem...

GUSTAVO: O senhor disse que se orgulha da sua academia ter sido fundada na data de aniversário do término da Guerra do Paraguai. O Brasil ficou com uma fama ruim nessa guerra, certo? Dizem que o Brasil cometeu um massacre no Paraguai.

BENTO: Esta estória do massacre é um ramo marron de interpretação, uma fofoca, uma desinformação, um ouvir dizer, é uma intepretação cívico-masoquista, é o termo que eu uso. É o cara que gosta que o país dele seja mal visto. Mas não foi nada disso !. Nós fomos invadidos no sul e no Mato Grosso e também a Argentina e então nós tínhamos direito àquela reação. Tanto que a Argentina e Uruguai também partiram contra o líder do Paraguai, que alimentava um sonho de reconstituir o império teocrático guarani e começou a se atritar com todo mundo. O Paraguai havia formado um exército enorme que nos pegou despreparados. E tivemos que recorrer aos Voluntários da Pátria

GUSTAVO: O bairro do Manejo, aqui em Resende, tem esse nome porque era ali que se aprendia o manejo das armas para se ir para a guerra do Paraguai, certo?

BENTO: Exato. A presença de Resende foi marcante através de 250 Voluntários da Pátria, conforme resgatou o historiador Joaquim Maia . Foi um efetivo expressivo , maior até do que alguns estados do Nordeste. Resendeses como um Gomes Jardim combateram a invasão paraguaia, lá em São Borja. Por longo tempo na área sul houve um choque de objetivos geopolíticos:A Argentina queria reestabelecer o Vice-Reinado do Prata, o Uruguai tinha o sonho de independência de Artigas, e o Paraguai reconstituir o seu antigo Império Teocrático E todos contavam com pedaços de territórios hoje do Brasil e então houve um longo choque militar hoje cicatrizado , tanto que estamos fazendo um trabalho mostrando que a questão hoje é o Mercosul ter um força militar que o defenda porque nós não sabemos o que vem no insondável terceiro milênio. Deveríamos aproveitar toda a experiência que adversários de ontem adquiriram no combate que tiveram e agora em benefício da Segurança do Mercosul .

GUSTAVO: O senhor acha que deveria se formar um exército internacional ali?

BENTO: Não precisa um exército especial, mas uma coligação, como tem a OTAN. Veja que dizem que acabou o comunismo - mas a OTAN continua lá. Na Europa Pra que? . Por quê estudar nossa história militar. Porque ela ensina você a combater. Você aprende a profissão soldado estudando criticamente e não descritivamente a História Militar , ou fazendo manobras ( Caso do campo do Manejo de Resende) ou combatendo. A mais econômica o prova a História é aprender Arte Militar com a experiência dolorosa dos que combateram um dia . Na guerra holandesa, quando combatemos 30 anos o melhor exército da Europa e o colocamos daqui pra fora, usamos a guerra chamada brasílica, ou de emboscadas; e no sul também, contra os espanhóis, a guerra à gaúcha ...

GUSTAVO: Essa guerra brasílica que o senhor fala é guerrilha?

BENTO: Completamente guerrilha, a estratégia do fraco contra o forte. No Amapá expulsamos também uma tentativa francesa, há cem anos atrás. O General Cabralzinho, na base da guerrilha, fez eles voltarem para a Guiana cheios de defuntos num barco rebocado pela canhoneira Bengali ,que os trouxe.

GUSTAVO: E a Amazônia agora?

BENTO: Na Amazônia foi Plácido de Castro, com outro tipo de guerrilha. Eu fui lá e pesquisei e uma das coisas que mais me impressionou é que eles não andavam pelas trilhas do seringal, eles abriam picadas na selva e nela navegavam para fugir de emboscadas .

GUSTAVO: Esse episódio na Amazônia foi em que época e contra quem.

BENTO: Em cerca 1901, contra capitais americanos e ingleses disfarçados sob a bandeira do Bolivian Syndicate; uma tentativa de dominar as fontes de borracha da Amazônia. A primeira reação partiu do Acre, que pertencia à Bolívia. Depois o Brasil entrou na luta e, com a participação de Rio Branco, acabamos praticamente comprando o Acre. Quase participou desta luta o sargento do Exército Getúlio Vargas tendo ido até Mato Grosso onde conheceu a paz e retornou ,deu baixa do Exército e formou-se advogado .

GUSTAVO: E hoje a Amazônia?

BENTO: A maior preocupação minha hoje como militar é ajudar a formular uma doutrina para a defesa da Amazônia. A primeira proposta que eu fiz, e que tem tido repercussão, é nós estudarmos a história militar terrestre da Amazônia, que não se conhece. O que se conhece é estudo descritivo de civis. Nós temos movimentos como este que eu citei no Acre, no Amapá, e uma revolução popular que foi a Guerra dos Cabanos, etc. Todas ricas em lições militares que temos de isolar e usar !

GUSTAVO: Dizem que na Internet já se veicula um mapa do Brasil onde não consta mais a Amazônia. É esquisito, não é?

BENTO: Está havendo uma farsa muito grande, para ver qual é a nossa reação. Quer dizer, a Amazônia toca na nossa sensibilidade. Nós levamos mais de 300 anos a mantendo sem tirar lucro. Existe um grupo na defesa daquilo. Há projetos do governo, como o SIVAN, o problema da Calha Norte que é fundamental para aquela ocupação. A Amazônia é a maior tesouro do mundo projetado para o terceiro milênio, pela sua biodiversidade etc O que é que resta no mundo inexplorado mas habitável ,só a nossa Amazônia .Daí a ambição internacional sobre ela .

GUSTAVO: Vende-se a idéia de que é preciso internacionalizar a Amazônia para preservá-la quando o que se quer é sua riqueza.

BENTO: Então há uma pressão muito grande do G/7 e a mídia, afirmam jornalistas sérios é caudatária do poder econômico mundial que a comanda E o que é que a mídia passa para a opinião do primeiro mundo? Que nós estamos botando a floresta abaixo a incendiando e matando os índios. Então a mídia cria um clima desfavorável artificial, para ganhar a opinião pública contra o Brasil, facilitando um intervenção" justificável". .Assim na Inglaterra, na Holanda etc alguns carros têm um adesivo assim: "você já matou hoje o seu brasileiro?"

GUSTAVO: O senhor tem certeza de que existe um adesivo assim?

BENTO: Tenho certeza.

GUSTAVO: Mas o governo de lá não poderia permitir isso!

BENTO: Mas permite. Minha Academia recolhe muitas informações sobre a Amazônia . Eu tenho muito subsídios sobre o tema .

PAULO: Tem um deputado que chegou dos Estados Unidos com uma cartilha escolar onde, no mapa do Brasil, não constava a Amazônia. A cartilha está circulando por aí. E esse adesivo o senhor já viu algum?

BENTO: Não, não vi, mas o que eu traduzo são opiniões de lideranças incontestáveis, eu não embarco em canoa do ouvi dizer.

PAULO: Mas o que eu quero saber é se alguém já trouxe esse adesivo, porque as cartilhas estão aí.

BENTO: Isso eu não sei. Quanto a esse mapa é uma manobra de inteligência adversa para confundir e abalar a credibilidade de qualquer denuncia feita em defesa da Amazônia por brasileiros ligados no tema.

PAULO: O destino da Amazônia vai ser mundial, não vai pertencer a ninguém a Amazônia.

BENTO: Mas é com isso que a gente não concorda. Eu acho que ela tem que ser em benefício da humanidade, mas preservada a soberania do Brasil e dos demais países que lá possuem parte dela .Mas temos que fazer o nosso dever de casa preservando-a e impedindo a sua degradação .

GUSTAVO: Se o ser humano fosse um bicho íntegro, Paulinho, eu também era a favor de internacionalizar. Só que ele não é. Dá a desculpa do meio-ambiente mas quer é dominar a matéria prima, a biodiversidades o sub-solo, etc. Internacionalizar para o mais forte mandar? Igual na ONU?

BENTO: Então se teria que internacionalizar os bancos, o petróleo, todas as riquezas hoje consideradas patrimônios nacionais, como argumentou o Cristóvão Buarque, que foi governador de Brasília.

PAULO: O que eu quero dizer é que o Brasil sempre foi explorado e agora só resta a Amazônia, que também vai ser explorada.

BENTO: Então nós temos que defende-la a todo custo. Inicialmente convencendo o povo brasileiro da importância da Amazônia para nossos descendentes. E isto procuramos fazer como o passarinho que tenta apagar incêndio na floresta levando água no seu bico. Se todos os brasileiros assim procederem a Amazônia será eternamente nossa. Amazônia é Brasil !Vamos cuidar dela senão o bicho leva !!!!

GUSTAVO: A gente tem condições de defesa militar diante da sofisticação de armas do primeiro mundo?

BENTO: Como eu já disse, nós resolvemos grandes problemas no norte e no sul com a guerrilha a estratégia do fraco contra o forte Então existem centros do Exército na Amazônia de guerra na selva, um tipo de instrução para defender aquilo a todo custo. E a esperança em caso de agressão , aconteça como no Vietnã, onde o americano, com toda a sua potência, não conseguiu vencer. E quando começasse a chegar corpos de americanos lá nos Estados Unidos, o próprio povo que é bom e o seu Congresso vão dizer: "puxa, o que é que nós estamos fazendo? Que democracia é essa a nossa ? Vamos auxiliar este países, vamos participar da riqueza mas sem querer explorá-los". Então qual é a proposta da minha academia? Vamos estudar a história militar terrestre da Amazônia - que não existe este estudo - para ver quais são as indicações a usamos para nos defender. Caxias já fez isso antes da Guerra do Paraguai para mostrar que tínhamos que adaptar à nossa realidade a doutrina de luta dos portugueses. E hoje, estudando os conflitos externos e internos que já tivemos na Amazônia, temos que enriquecer nossa estratégia de luta, nossa Doutrina de Guerra nas Selvas e não ficar copiando a de estrangeiros .

PAULO: O senhor não acha que a defesa da Amazônia depende do fortalecimento do Brasil em si? Porque nós vivemos um momento de enfraquecimento do governo. Não existe um projeto voltado para o Brasil hoje.

BENTO: Eu não sei se um Projeto Brasil hoje tem correspondência no potencial econômico e psico-social. Eu não sei.... Como é que está o poder nacional? Ele é suficiente para nós desenvolvermos um projeto? Então existem limitações. Um cara pobre não pode querer constituir num passe de mágica uma família rica, e nós, no concerto internacional e no conjunto, somos um operário que ganha salário mínimo. Hoje estamos presentes militarmente na Amazônia, mas o que falta é a uma presença mais forte da Sociedade Civil Brasileira que não esta fazendo a sua parte.

GUSTAVO: Falta uma atividade econômica que ocupe com nobreza a Amazônia.

BENTO: Na atividade econômica eu respondo pelo que os nosso batalhões de Engenharia estão fazendo em termos de construção de estradas integrando a Amazônia Estamos ali dominando o terreno. Numa missão militar pesa muito o terreno. Dá gosto ver o amor que o Exército tem por aquele chão .

GUSTAVO: Coronel, o senhor hoje não acha que em 64 o Exército tomou o lado errado? Que o lado do João Goulart pregava um projeto nacionalista e o Exército ficou na cópia do americano?

BENTO: Não, eu não tenho dúvida que a intervenção foi para defender a democracia porque estávamos à beira da comunização. Eu chamo 64 de uma contra-revolução democrática. A questão agora é rever os erros de percurso e saber que o Brasil é maior do que isso tudo. Você vê que hoje tem um ex guerrilheiro e motorista de Mariguella, que é Ministro da Justiça. Então há uma tolerância, as Forças Armadas contribuem para essa democratização, apesar de a gente sofrer constantemente acusações, como agora o Boechat dizer aí que o Duque de Caxias foi o pioneiro da guerra bacteriológica, uma mentira sem tamanho, que mexe com a alma do soldado. A história verdade é difícil porque ela é muito perturbada pelas correntes políticas. A contra-revolução de 64 se concretiza em sua promessa de Democrática. Constatar é obra de leitura da obra Militares e a Política na Nova República, da Fundação Getúlio Vargas.

GUSTAVO: Por falar em guerra bacteriológica, a história que se conta é que ela foi usada aqui em Resende contra os índios puris, com a disseminação da varíola.

BENTO: Pois é isso que eu quero te responder. (coronel Bento coleta uma série de documentos). Isso é um erro histórico, uma ofensa à população de Resende, aos povoadores, aos padres, que eram inflexíveis na defesa dos puris. Isso nunca houve, isso tem a origem num trabalho de Joaquim Norberto chamado "A Memória Documentada das Aldeias Indígenas da Província do Rio de Janeiro", onde a certa altura ele fala sobre Resende e diz um absurdo: que ele ouviu dizer, e ouvir dizer não é fonte histórica fidedigna ,pode ser manipulação plantada . Aí ele se reporta que veio o capitão Joaquim Xavier Curado, a pedido do padre Carvalho ao Vice Rei (um padre enérgico, que administrou Resende 20 anos e protegia esses índios); então esse capitão formou uma tropa com moradores e fazendeiros sob a supervisão do padre Carvalho. Porque os índios (para mim não os puris, mas os botocudos) vinham aqui e tumultuavam os puris, que eram um povo subordinado. Então essa tropa começou a atuar contra eles mas para espantar, meter medo. Não há nem uma expressão de que hajam matado alguém. E esse cidadão, Joaquim Norberto, diz que ouviu dizer que se usou contra os índios a varíola, que seriam as bexigas, e que era comum diariamente corpos de puris mortos boiando no Paraíba. E aí o Dr. João Maia, que teria visão desse testemunho porque ele nasceu em 1826, poderia ter contestado isso porque quando escreveu seu livro já era um homem maduro. Mas ele simplesmente reiterou esta ofensa contra os resendenses e contra o militar Curado, depois General, que foi um herói, uma figura sensacional, foi o homem que presidiu os brasileiros no Campo de Santana para respaldar a decisão de D. Pedro, de ficar no Brasil .Curado era um cara brabo, só serviços sensacionais. E há documentos sobre a inflexibilidade do padre Carvalho na defesa dos puris onde fica claro que ele nunca permitiria uma coisa dessas. E quem é que deixou registrou e de fato conviveu com os puris? Foi o padre que fundou Queluz em 1801, e ele diz que eles eram medrosos, tímidos, que nunca se soube de um puri que houvesse agredido ou matado um branco. O governador diz a mesma coisa. O padre Carvalho diz para o branco que for ter com os índios atraí-los, buscar o entendimento. Então, havia um clima de amizade. O vice-Rei D. Luiz, ao passar o governo para o Conde de Resende, ele relata essa experiência e diz que o capitão e os moradores só usaram meios de aterrar, espantar os índios. E todos os puris concordaram em serem concentrados na aldeia na Fumaça onde duraram 100 anos. Eles foram tão importantes que a Maria Benedita era filha de puri. Então não houve esse desprezo, eles estão no nosso sangue. E o Joaquim Norberto põe na boca do Curado falas manipuladas que são do Vice-Rei, manipula a fonte.

GUSTAVO: O historiador então inventou isso do extermínio do nada? Para que? E se o vice-rei mandou o capitão para organizar a tropa era porque algum problema havia.

BENTO: Havia que, no meu entender, os botocudos estavam saqueando fazendas na margem esquerda do Paraíba, onde fica a AMAN. E o capitão Curado, depois General, cumpriu sua missão de espantá-los. Talvez o historiador Norberto tenha querido agredir um soldado ilustre. Um herói, um cara que jogou sua sorte no Campo de Santana no Dia do Fico contra o português para garantir D. Pedro I no "Diga ao povo que eu fico!".

GUSTAVO: Este episódio da luta contra os índios foi quando?

BENTO: Por volta de 1775 , depois de aberto o Caminho Novo Lorena-Rio .

PAULO: Que peso tem isso hoje na sociedade resendense?

BENTO: Você veja que o Gustavo um jornalista bem informado absorveu isso; a idéia que o Gustavo tinha é de que houve isso. Por que nas comemorações dos 200 anos de Resende as interpretações dominantes passaram essa versão.

PAULO: A gente pode observar nas populações da Fumaça, de Mauá e até de Resende os traços do povo puri, cabelo, etc eles estão vivos na nossa realidade.

BENTO: Não tenha a menor dúvida, eles vivem no nosso sangue, essa é a absorção racial . E o Dr. João Maia fez aquela maravilha que é a lenda do Tymburibá, que eu e a Virginia Calaes adaptamos à linguagem atual. Quer dizer, há uma contradição com o seu indianismo e o absorver uma coisa como essa: "a peste de bexiga levada ao seio das tabas puris como meio eifcaz para reduzí-los". Você não podia fazer isso porque você pegava a doença acredito !. Nessa mesma época há um estudo nosso sobre um tropa que saiu de São Paulo para libertar o Rio Grande do Sul e morreu uma quantidade deles em Porto Alegre, de bexiga. O governador de São Paulo mandava passar antes pela cidade de São Paulo uma tropa de bois, para ver se ela levava a doença embora .

PAULO: Tinha algum índio puri que tinha nome?

BENTO: Tinha o cacique Mariquita, o Santará, que foi o último deles.

PAULO: E em Resende não existe nem uma rua, nem uma praça, nada...

BENTO: Eu soube que batizaram uma rua de puri, não sei em que bairro, e parece até que com protesto da associação de moradores. Quer dizer, o povo desconhece a saga dos primitivos habitantes da região .

PAULO: Há um pensamento em Resende de que a Academia atravancava o progresso da cidade. Isso eu ouço da boca de todo mundo desde que cheguei em Resende. E que hoje a cidade está se desenvolvendo a contento, como uma micro-megalópole, mas que a Academia ainda segura a situação socio-econômica da cidade.

BENTO: Eu vou abordar isso, mas primeiro quero dizer que a Câmara dos Vereadores, que representa o povo, já me homenageou cinco vezes. Já falei lá resgatando a memória do Conde de Resende, o que originou até a criação de uma comenda, a maior honraria de Resende com a qual fui agraciado , Pacificamos a injustiça de que ele foi vítima anos e anos; recebi três moções de louvor. A última pelo brilhante atuação nas comemorações dos 200 anos de Resende Então, olhando por esse lado, eu não tenho queixa. Agora, quanto a isso de atravancar o progresso é uma falsidade. Resende, quando o café acabou, seus cérebros e capitais foram para a região de Ouro Preto. Aqui ficou parado. Então a Academia trouxe gente à beça para cá, a Santa Casa ganhou a sua 1a sala de cirurgia, Resende ganhou um Plano Diretor, nosso engenheiros cooperaram e a folha de pagamento da AMAN segurou a barra . Quanto à questão da segurança, a Academia sempre ajudou...

GUSTAVO: O grande desenvolvimento recente da cidade foi muito determinado pela represa do Funil, que trouxe energia para a industrialização.

BENTO: A Academia tem um contingente de 12 mil pessoas vivendo aqui, verbas, consumo na cidade. Então não vejo sentido nessa tese do atravancamento. Se você vê Tácito Viana Rodrigues, que foi um intelectual honesto, sem engajamentos ideológico, fica claro como a Academia influiu na progresso de Resende. A sua participação no setor educacional é fantástica. O pobre não tinha ginásio aqui, o primeiro deles foi feito pelo General Souza Dantas Eu acho que a convivência é relativamente boa. Eu inclusive pertenci a uma sociedade que procura integrar a AMAN e a sociedade civil a SORAMAN .E escrevi já sobre a Projeção da comunidade da AMAN na Resendense. E foi expressiva !

Acho que devemos tentar superar desencontros e integrar.o povo de Resende com o seu braço armado a AMAN representante do Braço forte .Mão amiga que é o Exército .Agora, é indiscutível que o progresso de Resende até uma certa época se deveu muito à presença da AMAN.

GUSTAVO: Quero voltar um pouco atrás, na história do Conde de Resende. À exemplo da questão da varíola, o episódio da condenação de Tiradentes pelo Conde de Resende também é uma pecha que o resendense carrega. Explique a defesa dele que o senhor fez na Câmara.

BENTO: Toda essa coisa começa quando um cidadão radical escreveu para um resendense dizendo: "fulano, você mude o nome de Resende para Tymburibá, e não Resende, porque foi esse homem que matou Tiradentes". Bom, o Conde de Resende foi Vice-Rei (e eu sou eu e mais as minhas circunstâncias, como diz Ortega e Gasset). Muito bem: Tiradentes é julgado por um tribunal civil, que o condena. E antes a Rainha, dona Maria, já o havia condenado à forca. D. João podia ter comutado a pena mas não o fez. Então, o que é que o Vice-Rei ia fazer?

GUSTAVO: Ficou como Poncio Pilatos.

BENTO: Como Pilatos. Não podia fazer nada. Eu ou você, ou Paulo naquela circunstância não poderíamos fazer diferente. E por que é que o Conde de Resende entrou para a história com esta má fama? Porque ele teve um atrito com uma autoridade corrupta, ele a pressionou, e esse seu antagonista, ao Conde voltar para Portugal, se tornou escritor e começou a pixar ele. Quem é o Conde de Resende? Em 1792 ele fundou a Real Academia de Fortificação e Artilharia, raiz histórica da AMAN e que foi a primeira academia militar das Américas. Então ele é o introdutor do ensino militar acadêmico nas Américas e o introdutor do ensino superior no Brasil através da Engenharia; esse homem aumentou o Brasil - o Rio Grande do Sul nos co aumentamos na guerra de 1801, bem como o Mato Grosso do Sul . Mas o pessoal fica no detalhe, não vê a parte estratégica como creio que os vereadores de Resende serenamente enxergaram ao criarem a comenda Conde de Resende , a mais alta honraria prestada pelo povo resendense

GUSTAVO: Tudo bem que o Conde de Resende teve todos estes méritos, mas o grande herói brasileiro é o Tiradentes.

BENTO: Foi a compensação dele pelo ato não compreendido na época. Então o cara é bom dentro de uma determinada conjuntura. Dom Pedro I é bom, foi superado pelo II, que foi superado pelo Deodoro. A gente tem que julgar o homem no tempo histórico e nas circunstâncias que ele viveu. E o Conde de Resende pagou um alto preço. Não sei até que ponto fizeram a cabeça do General José Pessoa para mudar o nome da Academia Militar de Resende para Agulhas Negras; a estação de Resende mudou para Campos Elíseos. Houve essa coisa e eu fico feliz de ter resgatado historicamente isso. E depois foi o Conde de Resende que escolheu Resende para ser vila, podia ter escolhido outra. Então essas coisas é que têm que ter continuidade. Resende não é só café, tem muitas outras coisas. Esse padre Carvalho, citado anteriormente, foi um cara sensacional; ele simplesmente separou Resende de São Paulo e passou a subordinar-se direto ao vice rei ..

GUSTAVO: Não parece que o Exército - ou melhor, todo o poder legal do país - está sempre contra a tendência de se criar um Brasil independente economicamente?

BENTO: Tiradentes era um sonho. Ele não estava articulado, não havia condições. Em 64, como eu já disse, havia o perigo de comunismo, e o Brasil estava tão desorganizado, com tanta corrupção, que não havia força capaz de transformá-lo numa potência. Agora, sempre que as condições objetivas existiram o Exército apoiou ou comandou os movimentos de evolução política. Como na República, que começou com o movimento farrapo no Rio Grande, em 1836, que depois veio dar na República de 15 de novembro. E antes daquilo já tinha havido em Minas um movimento, E um mineiro que foi para Pelotas e criou lá a Barca Liberal, o primeiro barco a vapor. Lá em Pernambuco também começou... Então o ideal republicano andava fervendo e Deodoro concretizou aquilo. . E o Tiradentes, o alferes, se inclui nessa sucessão. E qual é o prêmio de Tiradentes? É o herói cívico da nação.

GUSTAVO: O senhor acha possível no mundo globalizado existir um país com soberania?

BENTO: Eu acho que o terceiro milênio é insondável... A procura por mercados, não sabemos se amanhã vamos ser atacados... É a incerteza. O que você pode é exercitar estimativas em cima de informações estratégicas. Eu gosto muito disso, mas não dá para afirmar nada com precisão.

PAULO: Alguns países profissionalizaram os seus exércitos. O senhor não acha que era a hora do Brasil fazer o mesmo, até para enxugar o Exército? A gente vê na TV que os exércitos hoje não precisam de muita gente, mas sim de inteligência e equipamento.

BENTO: Condeno absolutamente. Para missão externa o Exército pode desenvolver uma tropa altamebnte profissionalizada Mas se deve preservar o serviço militar que iguala os cidadãos. Não é só o pobre, o miserável, que é recrutado. Não tem sentido profissionalizar, é caríssimo. E depois existem outros problemas muito mais graves para os quais o Exército é importante: ele é uma espécie de costela, de uma estrutura para dar segurança à Nação; ele é um espinhaço de certos valores. A sociedade trabalha, se diverte mas sabe que tem uma estrutura zelando por sua segurança ,uma contribuição cívica de cada jovem, que depois vai ter segurança pelo resto de sua vida. O Exército é necessário internamente para , prevenir e desestimular aventuras militares, conter balbúrdias, greves de polícia, por exemplo. A força armada é a que segura a Constituição, em última análise. E graças a Deus o povo brasileiro tem uma coisa maravilhosa que é a democracia racial e espiritual. Aqui ninguém discute a tua religião ou a tua raça. Isso é um poder imenso.

GUSTAVO: Atualmente há um movimento forte dos negros pela afirmação de sua raça, quase um separatismo.

BENTO: É válido, mas a tendência é isso acalmar. Mas então você pega esse dado de unidade do povo nesse espaço enorme, isso é uma maravilha. Temos falhas como a impunidade, a corrupção,em razão do ordenamento jurídico insuficiente para combater isso .Mas parece que está havendo sinais de melhora; você vê aí políticos e cartolas de futebol enrolados em vários locais do país, lei de responsabilidade fiscal, uma série de coisas positivas. Essa capacidade de absorção e de mistura do nosso povo tem raízes em Portugal, que teve uma história de absorver a cultura de tudo quanto era conquistador que passava por ali. Você vê que o estrangeiro chega aqui e quer ser como a gente, dançar o samba, ter alegria; em vez de nós cedermos à cultura deles, eles cedem à nossa cultura.

PAULO: Mas no econômico eles impõem a cultura deles.

BENTO: Na cultura popular acho que o Brasil predomina.

GUSTAVO: Aí acho que tem uma via de duas mãos. Eles impõem certas coisas mas são seduzidos por outras.

PAULO: Eles conseguem impor o externo, o periférico, mas quando caem na integridade do povo mesmo...

BENTO: O povo americano é bom, o povo é adorável, o perigo são os falcões!. Mas vejam, na cultura nós temos uma unidade na diversidade. Cada um tem um modo de ser, mas todo mundo se admira. Isso é uma arma poderosa, faz uma nação forte.

PAULO: É por isso que o soldado brasileiro quando combate fora do país é admirado pela eficiência?

BENTO: Exatamente. Eu tenho um livro sobre a nossa força expedicionária que mostra a adaptabilidade do soldado quando chegou lá; eram admirados por terem iniciativa , criatividade e solidariedade .

GUSTAVO: Nós não falamos de uma passagem militar importante em Resende que foi na revolução constitucionalista de 32. Houve batalhas aqui na região e inclusive, segundo o senhor me contou um dia, Resende foi palco da primeira e única batalha aérea do Brasil.

BENTO: Resende foi a primeira cidade bombardeada à noite na América do Sul. Foi o primeiro voo noturno, uma experiência de aterrissagem noturna, deu um susto tremendo nos resendenses. Um revolucionário um dias antes veio de madrugada e atirou três bombas na periferia. No outro dia, dois aviões voando a noite e o resendense pensou: "agora vem quente...", mas era o Brigadeiro Eduardo Gomes, que então era Major. E depois houve um combate aéreo entre Resende e Queluz .Resende na Campo de Paradas da AMAN foi a base aérea governista que atuava em todo o vale do Paraíba e sul de Minas.

GUSTAVO: E combates terrestres, de infantaria.

BENTO: O maior combate terrestre foi na cidade de Silveiras, na antiga Rio-São Paulo, onde morreu o capitão Cícero Goes Monteiro, irmão do Goes Monteiro, Foi velado aqui na Santa Casa. A Santa Casa serviu de hospital de base em todo o conflito. Resende tem sido uma barreira estratégica por estar na fronteira com São Paulo. A revolução de 1842 foi segurada aqui pelo Fabiano Pereira Barreto, que comandava a Guarda Nacional. Ele impediu que o Breves, que era candidato a presidente do Rio, fizesse união com os paulistas; depois disso resendenses foram ajudar Caxias em Queluz, hoje Conselheiro Lafayete, em missão de pacificação; depois o episódio de 32; em 64 a parte militar mais perigosa se deu aqui, quando o Genral Médici ficou entre o primeiro e o segundo Exércitos. E mediou um acordo, O primeiro Exército vinha quente para apoiar Jango.

GUSTAVO: Eu pensava que só o terceiro Exército tinha apoiado o Jango.

BENTO: Eu estava lá no Rio Grande. O terceiro apoiou, mas o primeiro corria o risco de apoiar, e foi onde o Médici fez a mediação. Então Resende tem essa importância de ser uma barreira geo-histórica militar . Tanto que no passado chegou a haver proposta para a criação da província de Resende, com capital em Resende, pegando parte de Rio, São Paulo e Minas. Por que é que ela foi escolhida para sede da AMAN. Dentro de um critério geo-político a cargo do consagrado geopolítico Capitão Mario Travassos que seria o sei 1o comandante .

PAULO: Voce integra a Confraria dos Cidadãos de Resende. Poderia nos dizer no que ela trabalha hoje?

BENTO: Ela tem como objetivo a defesa da cidadania .No momento debate a viabilidade da idéia sugerida pelo irmão companheiro Roberto Ferraiolo de transformar a Santa Casa em Fundação Santa Casa de Resende .Por oportuno sou autor do livro A Saga da Santa Casa de Misericórdia de Resende ,nossa primeira contribuição à História de Resende .

GUSTAVO: Qual que considera nas comemorações dos 200 anos de Resende a sua maior contribuição reconhecida pela Câmara .

BENTO: Foi escrever e divulgar pela Internet e em duas publicações o artigo Como estudar e pesquisar a História de Resende ,trabalho que permiti a qualquer um e a qualquer tempo pesquisar a História de Resende, ao mesmo tempo que homenageamos todos quantos tem escrito sobre Resende.

GUSTAVO: Gostaria de acrescentar alguma consideração .

BENTO: A História é verdade e justiça ! Ela é fruto de aproximações sucessivas com apoio nas fontes disponíveis, se estabelecendo com freqüência verdades provisórias a espera de outras fontes que venham a surgir .Quanto aos historiadores Joaquim Norberto e Dr João Maia nosso respeito e admiração profundas por suas obras basilares aqui referidas e contestadas quanto ao massacre do puris e tudo a serviço da verdade histórica sem desmerecer suas marcantes contribuições. Obrigado !