4 -INVASÕES FRANCESAS NO RIO DE JANEIRO EM 1710 E 1711

Generalidades- A descoberta do ouro em Minas Gerais e anunciada em 1690, provocou o início do Ciclo do Ouro no Brasil e, com ele, uma intensa Corrida do Ouro para lá, de paulistas, fluminenses e brasileiros de outras regiões e migrantes portugueses que ameaçaram esvaziar Portugal. Em 1698, Garcia Rodrigues, filho de Fernão Dias, abriu o Caminho Novo ligando a baía de Guanabara aos Campos Gerais e minas de Ouro Preto,Sabará, etc., para escoar ouro para o Rio, livre dos riscos de piratas e corsários do Caminho Velho por Parati , no trecho marítimo desta até Sepetiba e até então obrigatório para escoar o ouro de Minas para o Rio, conforme tratamos em "Caminhos de penetração e povoamento do alto e médio rio Paraíba"- A Defesa Nacional.

Em 1708-09, ocorreu a Guerra dos Emboabas, entre brasileiros (paulistas) e partidários da Coroa Portuguesa (forasteiros e portugueses), pelo controle das minas de ouro em Minas Gerais. Os paulistas foram derrotados pelos emboabas, migrantes de todas as partes do Brasil e imigrantes de Portugal que para lá se dirigiram em grandes massas. Os emboabas trucidaram os vencidos.

Para proteger o ouro que era levado para o Rio de Janeiro e exportado por seu porto para Portuga, a baia de Guanabara foi sendo fortificada progressivamente por sistema de fortificações que fizeram do Rio de janeiro um dos mais bem fortificados portos do mundo .

E foi esse ouro que atraiu piratas e corsários, e entre eles os corsários franceses Du Clerc e Du Guay –Troin, em 1710 e 1711, época áurea em que, em função do ouro, foram criadas as vilas de Mariana, Ouro Preto e Sabará, em 1711, e São João del Rey, em 1713 .

E foi pelo ouro, que os corsários citados tentaram dominar o Rio de Janeiro e devolvê-lo mediante resgate. Du Clerc, ao tentar penetrar na Guanabara, foi repelido pelas fortalezas. Du Guay Troin conseguiu sob a coberta de um nevoeiro e em razão de incêndio do paiol da fortaleza de Santa Cruz, o que a neutralizou. Era a que impedia a entrada na baia com seus 40 canhões. E assim desembarcou e dominou o Rio de Janeiro, como se verá .

4a) A INVASÃO DE 1710 PELO CORSÁRIO DU CLERC

Na captura de um comboio português, nas costas de Pernambuco, por Jean François Du Clerc, corsário francês, ele percebeu a falta de combatividade das tripulações. Assim, ele julgou ser fácil atacar o Rio de Janeiro.

Em 1710, armadores de Brest organizaram uma esquadra composta de 5 navios de guerra e um navio transporte. Como tropa regular, a expedição contou com 1.500 homens de desembarque, além de 1.000 da marinha, ou 2.500 homens. Seu poder de fogo era o de 124 peças de artilharia.

A situação das defesas do Rio de Janeiro: Na época das invasões francesas, governava a cidade do Rio Francisco Xavier de Castro Morais.

Ele escreveu ao rei de Portugal, em março de 1710, colocando-o a par do estado precário em que se encontravam as defesas da cidade, em particular as fortificações. E solicitava 36 peças de artilharia e reforços em pessoal. Em face da situação de Portugal na Europa, o pedido não foi atendido.

A defesa do Rio deJjaneiro constituía-se de alguns navios na baía, das fortalezas e das tropas de Infantaria. As fortalezas eram obras rudimentares, construídas à base de pedra e cal. Localizavam-se em pontos estrategicamente escolhidos para facilitar as ações de defesa. As peças de artilharia, que as guarneciam, eram tipo antecarga (carregadas pela boca), não permitindo grandes alcances.

As fortificações distribuíram-se da seguinte maneira: Fortaleza de Santa Cruz - impedia a entrada da barra. Era artilhada com 44 canhões; Fortaleza de São João da Barra - constituída de quatro redutos ou baterias: São Diogo, São José, São Martinho e São Teodósio-- 30 canhões; Fortaleza de Villegaignon - primitivamente forte Coligny; uma bateria, 20 canhões; Fortaleza da Ilha das Cobras - 12 canhões; Fortaleza da Praia Vermelha - 12 canhões; Forte da Boa Viagem - 16 canhões; Forte de Santiago - também chamado da Ponta da Misericórdia, situado na base do morro do Castelo. Tinha como finalidade a defesa da praia de Santa Luzia e cruzava seus fogos com a de Villegaignon. Possuía apenas um canhão; Reduto do Castelo - organizado com os fortes de: São Sebastião, 5 canhões; São Januário, 11 canhões; Santa Luzia, 5 canhões. Este reduto dominava parte da cidade; Bateria da Praia de Fora - 6 canhões; Trincheira do Morro de São Bento - 8 canhões; e Redutos da Prainha e da Conceição - possuíam posições construídas, porém não estavam artilhadas.

No tocante às forças de Infantaria, o Rio dispunha de 3 terços: O Novo, o Velho e o da Colônia. O armamento usado era primitivo, de pequeno alcance e sem precisão.

As forças de Infantaria estavam equipadas com mosquetões, espingardas, carabinas, espadas e baionetas, e a Artilharia, com canhões de bronze.

As Operações militares :Tomando conhecimento da aproximação da esquadra corsária francesa, o Governador, Francisco de Castro Morais, em seu Estudo de Situação, levantou os prováveis locais de desembarque. Em seguida repartiu os defensores pelos vários postos e convocou a população para cooperar na defesa.

No dia 17 de agosto, a frota inimiga surgiu à entrada da barra. Imediatamente, recebeu os fogos da defesa, através de salvas de tiro.

Esta ação procurava mostrar o grau de combatividade das guarnições das fortalezas. O inimigo, repelido, evitou o choque frontal. Retirou-se da entrada da barra e rumou para o sul, em busca de local mais favorável a seu desembarque sem reação. E o conseguiu em Guaratiba.

O Governador ordenou o ataque aos invasores durante seu deslocamento, com apoio na guerrilha. Com pequenas frações de tropas nas gargantas e passos; hostilização da retaguarda; interceptação da retirada; guarnição dos quartéis do mar; instalação defensiva com o restante da tropa, no Campo de N. S. do Rosário (Campo de Santana,atual Praça da República ), local por onde o invasor inimigo deveria seguramente progredir para atacar a cidade.

No dia 18 de setembro, Du Clerc acampou com suas forças no Engenho Velho dos Padres da Companhia (São Francisco Xavier) - distante uma légua do centro da cidade. Durante a marcha, até o engenho, os franceses encontraram resistência. Em 19, reiniciaram a marcha na direção de Catumbi. Ao ser informado de que os defensores se encontravam articulados no Campo de N. S. do Rosário, Du Clerc desbordou essa posição , seguindo pela velha estrada de Matacavalos (atual Rua do Riachuelo).

Ao atingir o morro do Desterro (atual Santa Teresa), chocou-se com uma resistência, constituída de pequena força, que foi detida.

Nova reação nas vizinhanças da Igreja do Parto (Rua Rodrigo Silva próximo à Rua de S. José), agora de valor companhia, que infligiu pequenas baixas aos corsários franceses.

Apesar dessa reação, os invasores prosseguiram e atingiram a Praça do Carmo (atual Praça 15 de Novembro), local da residência do Governador.

Ao avançar, encontraram uma resistência organizada por parte da Companhia de Estudantes, comandada por Bento do Amaral Coutinho. Travou-se logo renhido combate.

O Governador, ainda com o grosso das forças na atual Praça da República, foi informado de que os franceses se achavam na Praça do Carmo. Enviou para o local os terços do Mestre - de - Campo( atual Cel) Gregório de Castro e do Sargento - mor ( atual major ) Martim Corrêa de Sá. As forças corsárias francesas foram atacadas, simultaneamente, pelas tropas de terra, bombardeadas pelos canhões dos navios ancorados, e pelos canhões das fortalezas da Ilha das Cobras e da Bateria de São Bento. Então, buscaram refúgio no Trapiche da cidade.

Ante a ameaça de incêndio do Trapiche, Du Clerc, reuniu um Conselho de Guerra e decidiu render-se. Estava ganha a batalha contra a invasão corsária .

Du Clerc foi recolhido preso ao Colégio dos Jesuítas, no Morro do Castelo e, após transferido para o Forte de São Sebastião, no mesmo local.

Cumprindo pena fora do cárcere, alugou casa e, nela, cerca de 6 meses depois da rendição, apareceu misteriosamente assassinado, sem se saber o autor .

Os demais invasores prisioneiros foram encarcerados na Casa da Moeda, em mosteiros e conventos, com sentinelas à vista, sendo a maior parte deles enviada à Bahia e a Pernambuco.

Tanto Du Clerc quanto o Governador Francisco de Castro Morais cometeram falhas ao conduzir suas ações. Mas a vitória coroou a bravura e o destemor dos defensores da cidade, em particular a Companhia de Estudantes, comandada e sustentada à própria custa por Bento do Amaral Coutinho.

Mais tarde em Paranaguá, por volta de 1850, estudantes tiveram ação destacada no Episódio Cormoran de combate a um navio de guerra inglês, que, em desrespeito à nossa soberania, entrou na Baia de Paranaguá na caça de um navio negreiro .

A cidade de Resende tem origem nesse episódio. Garcia Rodrigues, filho de Fernão Dias, colocou a salvo na Mantiqueira o Tesouro do Rio à aproximação de Du Clerc. Em reconhecimento, em 1715, foi -lhe dado o direito de fundar numa passagem do rio Paraíba mais uma povoação, além de Paraíba do Sul. Esse Direito foi exercido 76 anos mais tarde, em 29 de setembro de 1801, por seu neto Cel Fernando Dias Paes Leme da Câmara, ao presidir como donatário honorário de Resende a sua instalação como vila e município .

4b) A INVASÃO DE 1711 DO RIO DE JANEIRO

POR DU GUAY-TROIN

Após a vitória contra as forças de Du Clerc, a cidade do Rio do Rio de Janeiro retomou o ritmo normal de vida. Voltaram, porém, a pairar, sobre ela, novas ameaças. Nova expedição estava sendo aprestado na França. De imediato, o Governado Francisco de Castro Morais foi alertado.

As circunstâncias misteriosas da morte de Du Clerc originaram, em França, clima favorável a represálias, o que, facilitou a organização de nova invasão corsária no Rio. As notícias na França falavam que os portugueses eram cruéis e sanguinários, praticando toda sorte de barbaridade com os prisioneiros, deixando-os morrer de fome e de miséria nas masmorras.

Organização da Força Corsária de Du Guay - Troin :Concebeu o plano da expedição durante a viagem de corso que fez aos mares da Irlanda, contra navios ingleses vindos da Índia. O financiamento da empresa, num total de 1.200.000 libras, veio dos negociantes amigos do corsário.

A armada corsária estava organizada: 17 navios, 140 canhões e 6.000 homens. Ela zarpou de La Rochelle, a 7 de junho de 1711. O efetivo era de cerca de 2 1/2 vezes o de Du Clerc e os navios cerca de 3 ½ vezes .

As defesas do Rio de Janeiro em 1711:Relativamente à situação militar de 1710, em 1711 o Rio de Janeiro estava defendido por 164 canhões, 14 de bronze. A tropa de Infantaria, além das 3 unidades de Linha, havia 1 Regimento de Nobres e Privilegiados e 2 de Ordenanças, e uma Companhia de Moedeiros (empregados na casa da Moeda).

A tropa da Marinha compunha-se dos regimentos da Armada e da Junta do Comércio. O efetivo defensor somava 2.670 homens, assim distribuídos: Defesa das fortalezas 600 e defesa terrestre 1.070. Era menos da metade do dos corsários .

A força naval era fraca: 4 navios de guerra artilhados com cerca de 100 canhões, e comandada pelo Sargento -mor - de - batalha Gaspar da Costa de Ataíde - o Maquinês.Portanto, eram 15 navios corsários contra 4 defensores .

As Operações militares :Tomando conhecimento da aproximação dos franceses, o Governador determinou que as fortalezas fossem guarnecidas.No dia 12 de setembro, a esquadra de Du Guay-Trouin forçou a barra, prevalecendo-se do nevoeiro.

A armada defensora não se encontrava em linha de batalha, entre as fortalezas de Santa Cruz e da Boa Viagem, mas, com as guarnições reduzidas, ancorada próxima à fortaleza de Villegaignon.

Em virtude da flagrante superioridade do inimigo, e para evitar que os navios caíssem em mãos dos franceses, determinou -se que fossem cortadas as amarras e encalhados na Ponta de Misericórdia, e incendiados.

Além da desvantagem do nevoeiro, os defensores sofreram dois outros golpes: A explosão no paiol da pólvora da Fortaleza de Villegaignon, o que a colocou fora de combate, e o outro, o aproveitamento que os franceses fizeram de em um dos navios incendiados, onde aproveitaram os seus canhões, munições e víveres.

A resistência oferecida pelas fortalezas foi fraca, devido à surpresa e a superioridade de meios de que dispunha o invasor .

A situação em que se encontrava a Fortaleza da Ilha das Cobras (atual QG do Comando Geral dos FN) tornava-a de suma importância para qualquer dos contendores. Ocupando-a, sem resistência, os franceses nela instalaram os canhões salvos do navio semi- incendiado . Dessa posição, passaram a bater, com seus fogos, a Fortaleza de São Sebastião e o entrincheiramento do morro de São Bento. Em decorrência da pequena reação encontrada, Du Guay-Trouin executou o plano concebido.

O desembarque do invasor: No dia 14 de setembro, desembarcaram 3.800 homens. O local do desembarque foi a Praia do antigo Saco do Alferes, entre o Saco de São Diogo e a Ponta existente um pouco antes da Gamboa, evitando a parte mais defendida da cidade.

Estabeleceu-se numa linha de alturas, balizada pelos morros de São Diogo, Providência e Livramento.

Aproveitando a situação dominante do morro do Pina(Saúde), determinou no local a instalação das baterias. O Forte São Sebastião e o entrincheiramento do morro de São Bento passaram a receber fogos, também, da retaguarda. A defesa do Rio de Janeiro entrou em colapso.

Bento do Amaral Coutinho, com 150 homens, guardava a bica dos Marinheiros. Ele contra-atacou no morro de São Diogo, obtendo êxito. Diante das ordens do Governador, não continuou a operação.

Do dia 15 a 18, verificaram-se algumas escaramuças entre os elementos avançados. A 19, sentindo a situação favorável, Du Guay-Trouin intimou, sem efeito, o Governador a capitular, sob pena de submeter a cidade a bombardeio durante dois dias.

O pânico, o desespero tomaram conta da população. Algumas tropas, que ainda permaneciam em seus postos, começaram a abandoná-los.

De acordo com o plano francês, seriam realizados dois ataques. Um contra o morro da Conceição e o outro contra o de São Bento.

A capitulação do Rio de Janeiro :Diante da situação crítica , o Governador reuniu um Conselho de Guerra. Os líderes responsáveis pela defesa eram favoráveis à manutenção da praça. Desprezando as opiniões contrárias, o Governador decidiu pelo abandono das posições e retraiu, com parte da população, para o Engenho Novo dos Padres da Companhia de Jesus.

Dia 21, Du Guay-Trouin entrou na cidade abandonada. Contrastando com a atitude do Governador, alguns chefes militares continuaram a luta.

Bento do Amaral Coutinho dirigiu-se para a Fortaleza de São João na barra a fim de se informar sobre a situação. Encontrou-a desguarnecida. Ao regressar, foi morto numa emboscada por forças corsárias francesas, muito superiores.

O valor do resgate exigido por Du Guay Troin :O invasor exigiu o resgate de 12 milhões de cruzados. Devido ao vulto da quantia, estabeleceu-se uma contraproposta de 610.000 cruzados, 100 caixas de açúcar e 200 bois, o que foi aceito.

Sabedor da aproximação de uma coluna de reforços, 6 mil homens, que se deslocava de Minas Gerais, comandada pelo Governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, Du Guay -Trouin marchou ao encontro do Governador Castro Morais, com vistas a acelerar as negociações e evitar a reunião dos dois grupamentos.

A presença da força inimiga no Engenho Velho dos Padres bastou para que o Governador do Rio de Janeiro aceitasse os termos da capitulação, mesmo informado de que se avizinhava a coluna mineira.

Dia 4 de novembro de 1711, os franceses receberam a última prestação do resgate, o qual fora reduzido à vigésima parte do total exigido inicialmente. No dia 13, deixaram a baía depois de 2 meses de operações no Rio de Janeiro, que ocuparam por 54 longos dias .

Os chefes e suas atitudes: Du Guay-Trouin preparou um plano e modificou-o quando necessário. Fez da surpresa sua principal arma, quando transpôs a barra. Organizou e articulou suas forças. Procurou manter-se informado das ações do inimigo, fato que o levou a tomar conhecimento da aproximação de reforços. Atribuiu o comando de suas peças de manobra a elementos capazes.

O Governador Francisco de Castro Morais revelou faltar-lhe decisão e energia. Não incutiu confiança em seus subordinados. Não soube retardar o inimigo a fim de ganhar tempo para a chegada dos reforços de Minas Quase nada fez para expulsá-lo da cidade.

O Capitão - General Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho não chegou a interferir nos acontecimentos que se desenrolaram na área da Guanabara, mas só a ameaça potencial de sua presença, à frente da expedição libertadora vinda de Minas , constituída de tropas regulares, voluntários e até de emboabas e paulistas por ele reconciliados, pouco antes, salvou o Rio de Janeiro da represália ou da destruição.

Em suas Memórias, Du Guay-Trouin confessou ter ficado inquieto com a notícia (aproximação da coluna procedente da Minas Gerais): "E compreendi a necessidade de fazer um esforço ( de dominar o Rio de Janeiro antes dessa junção). Esse reforço, que chegava um pouco tarde, era muito considerável, para que eu não lhe desse atenção".