16 - O EXÉRCITO ENTRE AS GUERRAS DO PARAGUAI e a 2 a GM

 

Terminada a Guerra do Paraguai, o Exército foi alvo de erradicação. Para dar um status social aos oficiais que viviam atuando em lutas internas e externas ,desde antes de 1822, e, por isso, fontes potenciais de viuvez e orfandade sem previdência social, foi idealizado e criado, em 1874, para os oficiais, o título de Doutor em Ciências Físicas e Matemáticas. Com essa medida, pensava-se que os oficiais do Exército, para fins de matrimônio, poderiam concorrer com doutores (advogados, médicos) e filhos de comerciantes e fazendeiros, e desenvolverem teoricamente o Exército, pois antes não era assim, por terem estado sob risco de vida e constantes ausências de seus lares .

Em realidade, só foi atendida a elevação de status social. E surgiu a divisão preconceituosa, entre bacharéis e tarimbeiros. Os primeiros usando o título de doutor e por vezes se sentindo ofendidos com o serem chamados pelo posto. E os tarimbeiros, que viviam o dia-a-dia da Segurança Nacional, eram descriminados pelos bacharéis, que dominaram o Exército e conquistaram expressivas posições na administração nacional .

O Império dos bacharéis durou cerca de 30 anos (1874-1905), período em que ocorreu a Guerra Civil (1893-95) no Sul do país, combinando com a Revolta na Armada (1894-95), em que forças revolucionárias tiveram operacionalidade superior à do Exército . O mesmo se verificou em relação à guerra de Canudos, em1897, onde o problema militar foi resolvido a duras penas por expoentes tarimbeiros do RGS, que, a seguir, resolveram o problema em Canudos, com o concurso de cerca de 500 alferes incorporadas por convocação de emergência, conforme tratamos em História da 3a RM 1889 –1953-.Porto Alegre :3a RM ,1997.

Neste interregno, o Tem-Cel Benjamim Constant ainda potencializou em 1890 o Regulamento de Ensino desprofissionalizante do Exército.

Memórias de ilustres chefes do período comprovam esta situação: A Congregação dos Professores da Escola Militar da Praia Vermelha, dominada por bacharéis, era a responsável pela formulação da Doutrina do Exército, da qual discursou.

Em 1904, por ocasião da Revolta da Vacina Obrigatória na Escola da Praia Vermelha, oficiais veteranos, ou filhos de veteranos da guerra do Paraguai, como Hermes da Fonseca, Medeiros Mallet, Argolo(filho), Caetano de Farias, e outros, aproveitaram para converter o bacharelismo no profissionalismo.

Então, foi fechada e, depois, extinta a Escola da Praia Vermelha, e baixado pelo Gen Francisco de Paula Argolo o Regulamento de Ensino de 1905, ponto de inflexão do bacharelismo para profissionalismo militar, e criada a Escola de Guerra em Porto Alegre, destinada a formar aspirantes a oficial para a eventualidade de uma guerra, e eliminado o posto de alferes.

Dessa escola (1906-11) sairiam os expoentes da Reforma Militar profissionalizante que até hoje se sustenta. Até hoje, a Escola de Guerra de Porto Alegre não mereceu a total justiça histórica por sua ação na inversão do bacharelismo para o profissionalismo, conforme abordamos em Escolas de Formação de Oficias das Forças Armadas do Brasil..Rio de Janeiro :FHE-POUPEX,1989 e em artigo A esquecida Escola de Guerra de Porto Alegre. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro .155(383):423-427,abr/jun 1994.

Antes, o General João Nepomuceno de Medeiros Mallet havia criado o Estado-Maior do Exército, sob a influência de artigo do então Capitão Augusto Tasso Fragoso, na Revista do Brasil e inspirado no EM da Prússia que visitara quando em missão na Europa para corrigir, inclusive, ferimentos à bala, que recebera no combate da Ponta da Armação na Revolta da Armada em 1894.

Foi desta época a determinação do Marechal Floriano Peixoto para que o Cel Emílio Jourdan escrevesse sobre as campanhas da Guerra do Paraguai para estudos de parte dos alunos de nossas escolas militares (Ceará, Praia Vermelha e Porto Alegre), dentre das realidades operacionais sul - americanas .

Mallet criou, em Piquete, a 1ª Fábrica de pólvora sem fumaça da América do Sul. Na falta de dinheiro, usou os cérebros da oficialidade para regulamentar um futuro Exército Profissional. Deu inicio à ocupação do Exército do Vale do Paraíba .

Em 1905, o Marechal Hermes, que havia reprimido a Revolta de 1904 na Escola do Realengo, e na qualidade de comandante da atual 1ª RM, que leva seu nome, por nossa sugestão e projeto de proposta, tirou a guarnição do Exército do Rio de Janeiro para o campo, realizando as célebres manobras de Curato de Santa Cruz que se repetiram nos anos seguintes, fois fazia 20 anos que ali o Conde D ‘Eu havia presidido manobras como Comandante da Artilharia do Exército e assistido, em Porto Alegre, a manobras no Campo da Redenção e às primeiras em Saicã, em Rosário do Sul. Por essa época, surgiram os Tiros-de-Guerra para formar reservas do Exército .

Em 1908, houve profunda Organização do Exército efetuada pelo Mal Hermes : Criação das Brigadas Estratégicas, construção de modernos quartéis e rearmamento do Exército com a aquisição de fuzis Mauser 1908, Metralhadoras Madsen e canhões Krupp com respectivas fábricas de munições e criação da Arma de Engenharia, etc .

Em 1910-11 , como Presidente da República, o Marechal Hermes enviou oficiais para cursos no Exército Alemão, o mais qualificado da época.

De retorno, este grupo fundou, em 1913, no Clube Militar, a Revista A Defesa Nacional, depois da Revista dos Militares, em 1910, criada pelo comandante da 3a RM em Porto Alegre, mas que não prosperou. Sonhou, porém, com uma Missão Militar Européia para o Exército .

Oficiais com curso na Alemanha iniciaram a sua pregação como instrutores de alguns cargos de tropa. Por seu espírito reformador, foram chamados "Jovens Turcos" e apoiados e mesmo protegidos pelo Ministro General Caetano de Farias.

Este grupo , em 1919, integrou em massa a Missão Indígena da Escola Militar do Realengo, criada pelo chefe do EME, General Bento Carneiro Monteiro, e a base de oficiais recrutados em concurso. Antes, haviam ocorrido a 1ª Guerra Mundial 1914-18 e a Guerra do Contestado no Sul.

Na última, o seu comandante, Gen Setembrino de Carvalho, havia notado que, em expressiva parcela da oficialidade, o bacharelismo militar havia sido substituído por cultura literária e poética divorciada do profissionalismo militar e que a Biblioteca do Exército, criada em 1881,pelo Barão de Loreto não tinha compromisso com a cultura profissional dos oficiais, daí, segundo alguns, ter o Gen Setembrino ordenado a sua extinção para só ressurgir em 1937, com o General Valentim Benício, como editora e nos moldes da Biblioteca do Oficial do Exército Argentino, e destinada a publicar de preferência obras de seus oficiais, que menos do que hoje, não encontravam guarida na Mídia Editorial Civil. Condição essencial para alimentar uma corrente do pensamento militar brasileiro, ao qual a revista A Defesa Nacional se tem mantido fiel . Mas é muito pouco para a construção e divulgação do pensamento militar terrestre brasileiro .

A Revista A Defesa Nacional quebrou o engessamento que o pensamento militar brasileiro sofria com apoio na Hierarquia e na Disciplina. Engessamento em muito responsável pelo equívoco do Ensino Militar de 1874 a 1905 .

E isso com a apoio do Ministro da Guerra Gen Caetano de Faria e do seguinte pensamento expresso pelos Jovens Turcos no editorial da Revista :

"Nos estamos profundamente convencidos de que só se corrige o que se critica. De que criticar é um dever e de que o progresso é obra de dissidentes. Esta revista A Defesa Nacional para exercer o direito que todos temos, de julgar as coisas que nos afetam, segundo o nosso modo de ver, e de darmos a nossa opinião a respeito."

Esta atitude e propósito estimulou o espírito militar criador e ajudou o Exército a progredir, a despeito das "Parelhas-troncos", denominação dos comodistas e conformados que se opunham e reagiam aos reformadores "Jovens Turcos" .

É dessa época a criação do Campo de Instrução do Gericinó, do Campo de Aviação dos Afonsos e de nossa Aviação Militar .

Antes do término da 1a Guerra, o Exército enviou à Europa uma Comissão de Compras de Equipamento e para absorver a doutrina militar da época, lutando.

Entre os 24 oficiais, incluindo aviadores, destacaram-se o Tem- Cel José Fernandes Leite de Castro e o Ten José Pessoa. De retorno, com a Revolução de 30, um foi guindado ao Ministério do Exército, e o outro, como coronel, no comando da Escola Militar do Realengo, onde, em conjunto, a modernizaram e a atualizaram profissionalmente e idealizaram a AMAN com todas a suas tradições cinqüentenárias, consolidando-se o profissionalismo militar.

Ao término da guerra, o Brasil contratou, para o Exército e sua Aviação nascente, a Missão Militar Francesa, que desenvolveu seu trabalho aqui de 1920-39. E, neste particular, a Polícia Militar de São Paulo havia antecedido o Exército em 11 anos, ao contratar Missão Militar Francesa para instruí-la em 1909.

A vinda da Missão Francesa para o Brasil provocou, em realidade, um choque com "uma Missão Militar Alemã" - a Missão Indígena, resultando no desaparecimento traumático desta.

O Japão, ao contrário, saiu do seu insulamento militar contratando uma Missão Militar Francesa com que venceria a China e, a seguir, uma Missão Militar Alemã, que o ajudou a vencer a Rússia. Parece-nos ter havido um erro entre nós !

No curso da Reforma Militar, sendo Presidente Wenceslau Braz, em 1916 foi ativado o o Serviço Militar Obrigatório e extinta a Guarda Nacional, e tornadas as Polícias Militares reservas do Exército. Já desde o início do século, vinham -se desenvolvendo os Tiros- de- Guerra.

Oficiais-alunos brasileiros perguntaram a oficiais da MMF como deveriam estudar Tática, Estratégia e Logística Militar Terrestre Brasileira. Tiveram como resposta :

"Elas estão embutidas na História Militar Terrestre do Brasil. Resgatem-na e a estudem-na criticamente à luz dos fundamentos da Arte Militar,a Arte do Soldado ."

Era a coerência com este pensamento do Marechal Ferdinand Foch, o comandante da vitória Aliada na 1a Guerra Mundial ,sob cujo comando combateram alguns oficiais brasileiros :

"Para alimentar o cérebro (Comando) de um Exército na paz ,para melhor prepará-lo para a eventualidade indesejável de uma guerra ,não existe livro mais fecundo em lições e meditações do que o livro da História Militar ."

Em decorrência, muitos oficiais, generais e superiores partiram para o resgate e estudo crítico da História Militar Terrestre do Brasil. Deu o primeiro passo o General Augusto Tasso Fragoso com o clássico A Batalha do Passo do Rosário,em 1922, que, em sua apresentação, fez uma espécie de Ato de Contrição denunciando o desprezo que os militares positivistas davam ao culto da História e Tradições do Exército. Vale a pena tê-lo sempre em mente. E muitos outros oficiais o secundaram, tornando possível, em 1972, uma consolidação desta bibliografia publicada por A Defesa Nacional, Imprensa Militar , Biblioteca do Exercito, Liv Globo de Porto Alegre etc e consolidá-la na História do Exército Brasileiro - perfil militar de um povo, e uma História predominantemente Descritiva e ponto de passagem obrigatório para uma História Militar Crítica do Exército ou Científica que se impõe e ajude a alavancar o seu futuro operacional, com apoio em seu riquíssimo patrimônio cultural de quase 500 anos de lutas internas e externas, como o fizeram os exércitos das grandes potências mundiais, conforme se conclui da publicação da Cadeira de História da AMAN, História das grandes potências mundiais - Assunto que ministrávamos aos cadetes em 1978-80, quando ali fomos instrutor de História Militar .

Com a Revolução de 30, a Reforma Militar tomou grande alento sob a direção do Ministro General Eurico Gaspar Dutra e assessoria do Chefe do Estado - Maior Gen Aurélio de Góes Monteiro.

O maior testemunho são os condignos prédios do Palácio Duque de Caxias, da AMAN, da ECEME, do IME e aproveitamento dos da EsAO e ESA etc., prédios que até hoje infra- estruturam o Ensino no Exército que a cada dia mais se aperfeiçoa e se moderniza .

Tendo a Revolução de 1932 demonstrado a potencialidade industrial militar de São Paulo e a deficiência do Exército neste particular, foi implantada a Indústria bélica do Exército. Potencializou-se a fabricação de pólvora e explosivos Piquete - São Paulo, e a de munições de armas leves, no Realengo, e criada a de granadas de Artilharia, em Andarai (usinagem), e (carregamento) em Juiz de Fora, a de fuzis Mauser 1908, em Itajubá, a de Material de Comunicações, no Caju, a de fabricação de pontagens de Engenharia etc., em Curitiba, e a de Máscaras contra gases, em Bonsucesso. Lamentavelmente, depois da 2a Guerra, esta indústria bélica foi desmontada .

Em 1940 ocorreu em Saicã, no Rio Grande do Sul, "a manobra militar de mais importância e de maior êxito até então realizada", a qual documentamos na História da 3a RM 1889-1953.Porto Alegre :3a RM ,1995.p324-348.Dela participaram 3 Divisões de Cavalaria , 1 Divisão de Infantaria, e mais 1 RI,1 GA Misto,1 B Pontoneiros e da Brigada Militar 1 BC e uma Companhia de Metralhadoras.

E foi assim que, de 1870 a 1897, o Exército teve diminuído o seu nível de operacionalidade . E de 1897 , em Canudos, a 1945 ,com apoio na Reforma Militar, o Exército deu um grande salto em sua operacionalidade e profissionalismo , para atuar na 2ª Guerra Mundial, através de sua FEB, que fez muito boa figura, ao lutar contra ou em aliança com frações dos melhores exércitos do mundo presentes na Europa na 2ª Guerra Mundial , como se verá .

Glória, pois, aos agentes da Reforma Militar 1898 -1945 !