CANGUÇU-SEUS PALACETES,SOBRADOS E CASARÕES DO SEC.XIX

Em Memória do confrade falecido Dr. Nilson Meireles Prestes

Pelo Cel Cláudio Moreira Bento pela ACANDHIS

(Sessão da ACANDHIS Colégio N.S Aparecida em 24 de junho de 2004)

A Academia Canguçuense de História tem a lamentar a perda no dia 29 maio 2004, na Beneficência Portuguesa, em Pelotas, do seu brilhante membro efetivo Dr Nilson Meireles Prestes, aos 73 anos e um mês bem e utilmente vividos.

Nilson nosso velho e saudoso amigo de infância, adolescência e parte da mocidade, o considero o maior artista nascido em Canguçu, como musico, professor de musica, organizador de orquestras e ludieria, no caso como construtor de violas, violoncelos e contrabaixos, além de recuperador e afinador de instrumentos musicais e mais notável artista plástico..

Convivemos na infância e na adolescência e parte da mocidade fraternalmente. Ficou marcada em minha lembrança a sua notável vocação para a música como pianista e exímio no uso de gaita piano.

Nilson nasceu em 14 maio 1931 no Palacete atualmente ocupado pelo Clube Harmonia e que fora mandado construir em 1877 por rico estancieiro Horácio da Cruz Piegas. Adquirido pela Prefeitura serviu de residência dos intendentes Cel Genes Gentil Bento de 1905/1917 e do Dr Raul Azambuja no inicio da década de 20.

Edifício que foi alvo de uma bela aquarela do Dr. Nilson, cujas dependências ele animou com música na adolescência e mocidade nas décadas de 40 e 50.

Nilson fez seus estudos no Instituto Porto Alegre em Jaguarão (o ginásio) e nesse mesmo Instituto (IPA) em Porto Alegre o cientifico que completou no Ginásio Pelotense e no Colégio Rui Barbosa, em Porto Alegre.

Graduado em Odontologia em Pelotas e, Doutor em São Paulo em Cirurgia em Bucofacial .

Integrou equipes cirúrgicas em Porto Alegre, na Santa Casa, Beneficência Portuguesa, Hospitais Militar, Hospital Conceição e Pronto Socorro.

Ao se aposentar voltou a sua paixão a música. Organizou orquestras como a Sinfônica de Novo Hamburgo, tendo viajado com seus alunos por vários países da Europa.

Outra especialidade sua foi as artes plásticas. E neste particular reside a sua marcante contribuição à preservação da memória da arquitetura de Canguçu de nossos tempos de infância, adolescência e juventude. Ele produziu 19 aquarelas as quais acabamos de resgatar com apoio em Álbum organizado pelo acadêmico da ACANDHIS, e amigo e confidente do Dr Nilson Flávio Azambuja Kremer, para o Bicentenário de Canguçu em 2002. Álbum no qual Flávio juntou cópias de fotos de nosso Álbum de Saudade que organizamos em 1972, no Sesquicentenário da Independência, incluindo muitas fotos preservadas por nosso pai Conrado Ernani Bento, patrono do ACANDHIS e mais o Álbum de Rafael Crecco de 1912.

Aliás foi neste álbum que o confrade e amigo Nilson se apoiou para resgatar, em aquarelas, edificações não mais existentes ao tempo em que ele as elaborou..

Suas aquarelas em número de 19 focalizam as seguintes edificações na ordem em que Flávio as apresentou em seu notável e oportuno Álbum.

1 - Conjunto antigo Cinema Velho onde funcionou a Câmara de Vereadores de 1857-1906, o Colégio Elementar de Canguçu a partir de 1913 e o Cinema Mudo, tendo ao lado o sobrado que pertenceu a Zeca Albano até 1941 e, ao fundo a casa paterna onde nasci em 19 outubro 1931 e reformada no inicio dos anos 40 e onde funciona o cartório de José Moreira Bento e o de advocacia de seu filho Conrado Ernani Bento Neto. Ao final apresentamos suas fotos.

 

 

2 - Conjunto Igreja N. S. Aparecida depois de 1912, quando foi erigida a 2ª torre e, ao lado, o conjunto sobrado erigido em 1861. O qual na década de 40 era moradia do agrimensor Guilherme Klein. Ali antes funcionou a Escola Régia para meninos do Prof Antõnio Joaquim Bento que também ai residiu por algum tempo. Em 1893 ai residia um membro da família Cunha.

 

 

3 - Conjunto de sobrados na rua General Osório. O primeiro é o antigo Sobrado Velho que incendiou na noite de 12 jan 1952. Incêndio ajudamos a apagar como aluno da Escola Preparatória de Cadetes e foi coincidente com a morte em Pelotas, do ilustre canguçuense e patrono de cadeira na ACANDHIS Cel Juvêncio Lemos. No andar de baixo por longos anos foi local de bailes da população negra local. Nos anos 60 do século passado, ali o professor Antônio Joaquim Bento encenou algumas peças teatrais. Sobre as ruínas do Sobrado Velho foi erguido o edifício da Câmara de Vereadores.

Os outros dois sobrados ainda existem. No da esquerda que pertenceu aos Leites antes de ali ser erguido existiu casa dos Leites onde Bento Gonçalves da Silva se hospedava. Na parte inferior, quando residência de Gastão Ronhelt seus filhos encenavam peças teatrais. O sobrado seguinte, sem a parte superior, o conheci como residência do Dr. Nilson e abrigou uma tipografia dos Prestes.

No anterior, na parte inferior, tomei conhecimento pela primeira vez da existência da morte, ao conhecer que ali havia falecido alguém.

 

 

4 - Prédio construído em 1877 pela família Piegas. Foi adquirido em 1901 pelo intendente Cel Hipólito Gonçalves da Silva para ali funcionar a Prefeitura até por volta de 1980. Hoje ela abriga a Casa de Cultura Professora Marlene Barbosa Coelho que consta do Museu Municipal Cap Henrique José Barbosa e Biblioteca Erico Verissimo e Sala de Arquivo e de reuniões da ACANDHIS.

 

 

5 - Prédio construído pela família Piegas na década de 70 do século passado. Adquirida pela Prefeitura serviu de residência dos intendentes Cel Genes Gentil Bento 1905/1917 e Dr Raul Azambuja nos anos 20.
Ai nasceu em 1931 o Nelson Meireles Prestes filho de Walter de Oliveira Prestes e Célia Meireles Prestes. Em 1939 passou a ser sede do Clube Harmonia sendo ampliado para abrigar o Salão de Bailes.

 

6 - Conjunto igreja e sobrado a seu lado até 1912, quando intendente o Cel Genes Gentil Bento liderou o levantamento da 2ª Torre, em comemoração do centenário de freguesia .Esta Igreja foi demolida e construída em seu lugar um templo mais amplo sob a direção do professor Adail Bento Costa, neto do profº Antônio Joaquim Bento.

 

 

7 - Detalhe do conjunto sobrado ao lado da igreja, na década de 40, e residência do agrimensor Guilherme Klein. No terreno ao lado existiu, no fundo, a primeira residência do professor Antônio Joaquim Bento, onde nasceu o intendente Cel Genes Gentil Bento . Na casa, a esquerda, onde residiu a professora Marlene Barbosa Coelho consta haver nascido o Arcebispo D. Otaviano de Albuquerque.

 

 

8 - Aspecto primitivo da residência onde em 1912 funcionava os Correios Telégrafos ,tendo por agente Severiano Nascimento. O conheci como residência de Edmundo Sedrez. Foi demolida e em seu lugar erigida uma casa bancária. Na última porta e janela funcionou, na década de 30, uma agencia do Banco Pelotense, dirigida foi Henriquinho Morales. Foi o 1º banco em Canguçu.

 

9-Outra visão dos sobrados abordados na aquarela 3; vendo-se ao final a venda de Santos Paltrinher, onde vendia um caramelos coloridos, lembrando travesseiros além de "cocadas" de amendoim. Possuía uma casinha com bonecos para previsão do tempo e que hoje se encontra no Museu Municipal.

 

10 - Outro angulo do prédio de Severiano Nascimento, vendo-se na lateral os locais de acesso. no início da década de 30, da Agência do Banco Pelotense onde me diziam que eu possuía 200 mil réis. Na minha imaginação infantil era um enorme banco de sentar onde se colocavam diversas quantas com o nome do respectivo dono. Quando ele quebrou entendi que devia ter sido pelo o peso de tanto dinheiro nele colocado.
Na década de 40 e 50 ai funcionou a Estação Rodoviária de Canguçu, e point de encontro de muita gente. Na porta dos fundos morava o Juiz Osvaldo Muller Barlem, sozinho.

 

11 - Casa ainda existente que pertenceu ao advogado Theóphilo Moreira Mattos, casado com Alice Mattos Moreira e filhos dos irmãos Franklin Máximo e Carlos Norberto Moreira. Foi daí que Luiz Carlos Barbosa Lessa ganhou a Coleção do Almanaque Literário e Estatístico do RGS 1889/ 1917 de sua tia avó Alice e que tanto bom uso dele fez a serviço do Tradicionalismo Gaúcho de que foi e é o filósofo. Coleção que pertencera aos irmãos Franklin Máximo e Carlos Norberto que colaboraram no Almanaque . Esta casa fica na esquina.

 

 

12 - Casa de comércio que pertenceu ao português Antônio Jorge e que não mais existe. Esta região era conhecida na gíria local por Uruguai , por pouco desenvolvida. Em diagonal fica a casa que pertenceu a Chico Almeida.

 

 

13 - Casa onde funcionou o Clube Político Dr Borges de Medeiros e mais tarde ali funcionou o Grupo Escolar Irmãos Andradas, até transferir-se para seu atual local na década de 40.

No Centenário de Canguçu ela foi reformada e ampliada e batizada de A Casa do Centenário. Em 1964 abrigou a 1ª sede do Banco do Brasil e depois sediou a Câmara de Vereadores. Consta que ai tenho residido, a partir de 1857, Vicente Ferres de Almeida, o 1º funcionário da Câmara em 1857.

A direita prédio onde funcionou na década de 30 e 40 a marcenaria de Adolfo Shoereder. Na 2ª Guerra Mundial Francisco Meskó abriu um bar que batizou de Nova Frente. Era um point para se acompanhar pelo rádio o desenvolvimento da guerra a partir da frente aberta pela Rússia contra a Alemanha, daí Bar Nova Frente.

 

 

14 - Maiores detalhes do prédio da aquarela anterior, onde nos últimos tempos os irmãos Moreira Mussi mantiveram escritório.

 

 

15 - Sobrado e Casa Comercial Santo Antônio de Antônio (Antonico) Valente e a seguir casa onde residiu e veio a falecer. Era na década de 40 a mais importante casa comercial. A sua esposa Leontina muito se deve dados de preservação da memória de Canguçu. Era neta de Antônio Joaquim Bento.

 

16 - Aspecto de antigo hotel de Canguçu defronte o Cine Teatro Glória construído em 1839. Hotel que na década de 40 pertencia a Serafim de Oliveira pai de diversos amigos começados por D. Darci, Doli, Dante, Diogo e Davis. Este meu amigo e possuidor de notável memória e que fez sua vida em Porto Alegre.

Este hotel já existia em 1893 e a ele se refere o General Zeca Netto em suas Memórias ao ai se hospedar

 

17 - Aspecto do antigo hotel no final da rua Osório, ao norte nas décadas de 30, 40 e 50 na Ponto da Rua. Pertenceu a Tertuliano Moreira pai do Cel Genes Gentil(Gegê) Silveira Moreira.

Da casa a esquerda ainda existem sinais A seguinte que foi hotel pertenceu antes a família Cunha, que antes da Revolução de 93 dominava Canguçu politicamente com Piegas. Mais ao fundo aparece um sobrado onde residia meu colega e amigo do Colégio Aparecida Genes Paiva que se formou Agrônomo. Foi nesta casa que iniciou sua vida comercial como alfaiate Pedro Boemecke. Menino, defronte deste hotel ao assistir um espetáculo de Bumba meu boi recebi um relhaço partido debaixo do boi e na ponta do dedão de pé esquerdo que jamais esqueci aquela brutalidade e a dor .

 

 

18 - Antigo Palacete dos Correio de Paiva na rua Osório, esquina rua Exército Nacional, que foi demolida as pressas e erigido um enorme sobrado com moradia em baixo. Ai residia D. Quinota. Na janela a direita da porta funcionava o Gabinete dentário do Dr. Quincas Correia de Paiva, um dos primeiros canguçuenses a formar-se em curso superior e preparado por Eduardo Wilhelmy na Florida junto com Dr. Luiz Oliveira Lessa etc.

 

19 - Construção na Ponta da Rua Norte. O sobrado em data recente, reformado abrigou a Casa Norma de Dário Jacondino.

 

E esta visão colorida que Nilson preservou para a posteridade Canguçuense a qual procuramos potencializar com as nossas explicações históricas Concluídas as nossas carreiras, a minha como oficial do Exército e continuada como historiador e a dele como cirurgião bucofacial e continuada como músico e professor de música nos encontrarmos em Canguçu quando numa manhã realizava uma caminhada. E ele me acompanhou evidenciando estar se recuperando de grave enfermidade o que conseguiu aquele tempo

E trocamos idéias sobre nossas vidas e o que havíamos realizado fora para honrar o nome de nossa Canguçu.

Notei que ele estava surpreso com o desenvolvimento comercial na rua Osório onde sua casa era das poucas que não fora transformado em ponto comercial. E se dizia incomodado com o barulho.

Na ultima vez que estive em Canguçu em reunião da ACANDHIS no Restaurante do Alemão conheci a gravidade de seu estado de saúde. E fui visitar o velho e antigo amigo em companhia de Cairo Moreira Pinheiro.

E recordamos os velhos tempos em que nas bicicletas de nossas irmãs percorremos Canguçu. E sua tentativa de improvisar uma paraquedas e se jogar do sobrado de sua casa, tendo antes lançado um gato como teste.

Foi uma despedida que muito nos fez bem e creio para ele também.

Nilson foi um singular canguçuense que acumulou notável cultura e diferia em comportamento dos demais colegas de infância. Sei que sua morte me causou muita tristeza . Não sabia que o apreciava tanto .E meu sentimento de perda se assemelha ao declarado pôr seu irmão Newton em crônica o chamando de meu guru e o de Flávio Kremer declarando o ter por confidente em carta a nós dirigida. Estes sentimentos dão a idéia da grande perda da comunidade canguçuense desta sua personalidade singular .

Aqui as saudades da Academia Canguçuense de História que planejava o receber como seu membro acadêmico .nesta Hora da saudade que ela lhe dedicou.

E não poderíamos aqui deixar de registrar o aspecto da casa onde eu nasci em 19 de outubro de 1931cerca de 4 meses depois de Nilson E o faço a pedido de minha irmã Marpha Bento Terres que deseja mandar fazer um pintura dela.

 

Na parte superior casa adquirida por Conrado Ernani Bento na Segunda metade da década de 10.Sua cor era rosa. Ela existia ao tempo da Revolução Farroupilha. Foi reformada por volta de 1943 e revestida com malacacheta por Edmar Montelli. Na foto abaixo três canguçueses que fizeram carreira militar .Da esquerda para a direita Cel Jaques Rocha Mota da Brigada Militar. Cel Cláudio Moreira Bento do Exercito e Cel Fernando Oscar Lopes do Exército.

Estas casas focalizadas eram moradias de estancieiros ricos de Canguçu no século 19 até a Revolução de 93.Sobre aspecto é relevante o depoimento em 1906 do alemão Alfredo Wilhelmy natural de Stetin que residiu na Florida e conheceu Canguçu em 1869 ao final da Guerra do Paraguai em suas andanças como fotografo pelo Rio Grande do Sul. Ele escreveu:

"Exceto Bagé e Jaguarão achei Canguçu a vila mais animada de todas. Uma alegre e laboriosa população a habitava e todos os seus moradores se achavam satisfeitos com a sua situação, ganhando o suficiente para uma vida cômoda...Nesta época todos os estancieiros de importância tinham casa na vila e que habitavam , senão sempre , pelo menos a maior parte do ano . E hoje? De todas estas famílias poucas restam morando aqui. Vários chefes já morreram e outros se mudaram para o Uruguai e Pelotas etc...Suas casas se vão desmoronando desde os tempos da Revolução de 93. Outros venderam suas casas por menos de terça parte do custo. Lembro somente a do falecido Horácio Piegas que a Intendência comprou por 12 contos de réis , quando este palacete custou 38 contos....O vagoroso progresso que se nota em Canguçu vila e município contrasta com a inteligência de seus habitantes...Os vemos pelos muitos canguçuenses que hoje noutros pontos ,Pelotas e Porto Alegre ocupam posição digna na sociedade, já por sua cultura , já por sua atividade nos cargos públicos e particulares que bem desempenham."

Assim estes casarões focalizados por Nilson e mais a nossa casa paterna e o primitivo Clube Harmonia que existiu em local onde hoje se ergue a Prefeitura foram construídos por prósperos estancieiros locais que em grande parte deixaram Canguçu em consequência da malfadada Revolução de 93 ou mais precisamente da Guerra Civil 1893/95 que envolveu a Região Sul do Brasil , na qual Canguçu formou ao lado dos governos estadual e federal e o estancieiros das famílias Piegas e Cunha e outras federalistas que dominavam politicamente Canguçu o abandonaram mergulhando Canguçu numa estagnação econômica que se prolongou por quase um século e que começou a despertar a partir da década de 80, quando lançamos nosso livro Canguçu reencontro com a História onde o esboço da cidade que apresentamos na página175 foi completamente alterado. E creio que Canguçu se reencontrou com o Canguçu próspero e feliz que Eduardo Wilhelmy conheceu em 1869.E isto se esta muito a dever ao progresso da colônia alemã que se irradiou de São Lourenço onde ele foi fundada em 1857.

Fico impressionado com o desenvolvimento que atingiu Canguçu agrícola que contrasta com outras cidades da fronteira que tenho percorrido como Rosário do Sul, Alegrete, D.Pedrito, Bagé, Pinheiro Machado, Herval do Sul, Arroio Grande etc. Que este progresso continue firme e forte.e o que sinceramenete desejo e que para isto tenha ajudado a nossa Academia Canguçuense de História que fundamos em 13 set 1988.

 

PS:As aquarelas originais de Nilson estão com seu irmã Ione e irmão Newton acadêmicos da ACANDHIS