A Balaida no Maranhão 1838-1840

Generalidades

O movimento dos cabanos no Pará teve similares nos chamados "cabanos" de Alagoas e de Pernambuco e nos balaios do Maranhão,Piauí e Ceará. Isto pelas semelhanças dos revoltosos cabanos ,homens incultos e despossuídos do interior, sem, motivações políticas a não ser tumultos, saques, pilhagens e crimes nas zonas sobre seus domínios, onde o poder público se fazia ausente.

Lembra de certa forma o que se tem passado nos morros do Rio de Janeiro em que a ausência do poder público foi substituída pela autoridade de traficantes ,cuja repressão tem se constituído num desafio permanente ,acreditam alguns de difícil solução.

Ali sob o estímulo do Ato Adicional que proporcionou maior autonomia às províncias, os partidos disputavam em tom violento o poder.

De um lado os conservadores integrados por portuguesese e chamados bentevis ,contrários a situação em poder do partido liberal ou "cabano’, que os bentevis comparavam aos cabanos do Pará, Pernambuco e Alagoas .

O nome bentevi derivava do jornal da oposição o Bentevi.

No interior finda a luta pela Independência vagavam sem trabalho certo e seguro centenas de antigos combatentes.

A revolução no Maranhão tomou o nome de Balaiada derivada do apelido Balaio de um de seus maiores líderes Francisco dos Anjos Ferreira. Este,fabricante de balaios, tipo bem acabado de sertanejo nordestino típico, alto, robusto, cabeça achatada denunciando sua raiz índia e cor escura. Ele fora vítima de violência de parte de autoridade policial que violentou duas filhas suas .Violência impune .Antes pacato e ordeiro ,o absolutismo das autoridades do Maranhão e sedento de justiça que não encontrou ,tornou-se um vingador sanguinário e feroz que encheu de terror as cidades do interior maranhense ,matando, violentando ,e devastando para satisfazer a sua sede de justiça que procurava saciar com vinganças.E a ele se juntaram homens do mesmo padrão.

Segundo Paulo Matos Peixoto em Caxias nume tutelar,no Maranhão o grupo dominante do poder assim atuava:

"Os desmandos do poder eram a norma de todos os dias. Prisões sem justificativa, humillhação aos bentevis de destaque social, que eram forçados a realizar trabalho braçal em público, violências de toda a ordem, abuso do poder, homicídios, extorsões através do fisco, recrutamento militar dirigido, como arma de coação, arbitrariedades,tudo era usado contra os adversários liberais- os bentevis."

Desenvolvimento da Balaiada.

Em dezembro 1838 em Vila Manga ,distante 10 léguas de São Luiz, ocorreram desordens sem grandes repercussões. Mas, exploradas politicamente pelos bentevis em seu jornal, serviria de estopim a eclosão da Balaiada, iniciada por cabras sertanejos ligados à causa bentevi.

Raimundo Gomes ,empregado de fazendeiro bentevi,o padre Inácio Mendes de Moraes Silva , no Arari ,ao passar por Vila Manga, teve companheiros seus presos injustamente pelo subprefeito José do Egito do partido "cabano"l ocal. E entre eles um irmão seu acusado de homicídio .

Tentou em vão Raimundo Gomes libertar seus amigos e irmão .E retirou-se !

Em 13 dezembro retornou à Vila Manga com nove outros cabras. Arrombou a prisão e conseguiu aliciar para seu grupo reforçado com os prisioneiros soltos ,os 22 soldados encarregados da segurança policial da vila.E como este feito repercutisse nos meios maranhenses revoltados com as arbitrariedades dos donos do poder, ele foi recebendo adesões crescentes .E inclusive de outros líderes inescrupulosos como Lívio Pedro Moura, Miloni de tal, Mulungueta e o Manuel Francisco- o Balaio ,que daria o nome de Balaiada como a revolta entrou para a História.

Raimundo Gomes ,líder dos revoltosos ,sem lei e sem rei, e sem outros objetivos agora que não o saque e vantagens pessoais , tornou-se com seu bando uma ameaça à segurança ,a ordem e a tranqüilidade públicas no interior maranhense .

Reunidos decidiram investir a cidade de Caxias onde ali foram precedidos da má fama de que em ações isoladas vinham destruindo e saqueando fazendas e vilas que encontravam em caminho

Em Caxias ,sob a liderança civil de João Paulo Dias ,líder naquela comarca e ,a militar do cap Ricardo Leão Sabino que participara da Guerra na Península Ibérica para libertar Portugal do jugo napoleônico ,foi organizada uma força denominada Corpo de Exército.

Corpo de Exército que atingiu um efetivo de cerca de 1000 homens mobilizado na população caxiense. Foi constituído de 8 companhias dispondo cada de 1 capitão,16 tenentes e 32 alferes nomeados por João Paulo, líder civil da resistência.

O cap Sabino organizou sob o seu direto comando uma bateria de Artilharia e um esquadrão de Cavalaria.

E esta organização popular protegida por trincheiras então construídas e contando com o concurso de mulheres, preparando munições de boca e de guerra ,os caxienses resistiram 46 dias ao sítio do bando de Raimundo Gomes.

Sítio que teve a mesma duração do de Bagé em 1893-1894, em que tropas do Exército sob o comando do cel Carlos Teles resistiram ao sítio liderado pelo gen revolucionário Joca Tavares que foi obrigado a reinternar suas forças no Uruguai ,base de partida de seu ataque conforme artigo do cel Cláudio Moreira Bento ,Comparação dos sítios federalistas de Bagé e da Lapa na Guerra Civil 1893-95 .A Defesa Nacional.767,1995.

Quando a defesa de Caxias tornou-se crítica ,o experimentado cap Sabino usou um ardil. Este consistiu em simular haver aderido à revolta e pedindo que os rebeldes se aproximassem com ele tocando com numa flauta o Hino Nacional.

Após haver provocado a aproximação balaia fez disparar um canhão, cujo estrondo enorme provocou pânico e desordem entre os rebeldes que correndo deixaram o local na certeza de que outros disparos seriam feitos.

Esta confusão foi a oportunidade para a evacuação de Caxias a sua triste sorte.

Esta vitória animou o partido Bentevi. Os balaios chegaram a enviar a São Luiz emissários propondo ao presidente do Maranhão rendição sem resistência.

O líderes balaios não possuíam Unidade de Comando, esta impossível, face as vaidades e ambições de cada líder.O própio Balaio numa incursão em fazenda foi atingido por bala disparada por um integrante de seu bando e veio a falecer de gangrena.

Depois que eles esgotaram e saquearam os recursos de sua sustentação em Caxias , a evacuaram e partiram a procura de outras vilas e cidades etc mais rentáveis para pilharem.

E espalharam-se os bandos pelo Maranhão levando o medo, a insegurança e a desordem por onde passavam, chegando mais uma vez a ameaçar São Luiz.

E foi nesta altura que a Regência decidiu enviar ao Maranhão, como seu Presidente e Comandante das Armas ,o cel Luis Alves de Lima e Silva -o futuro Duque de Caxias, para pacificar a província .

Seu talento aliado a boa estrela militar que havia revelado na Guerra da Independência da Bahia , na Guerra da Cisplatina em 1825-1828,no subcomando do Batalhão Sagrado e na organização e comando por cerca de 9 anos do que se constitui hoje na Policia Militar do Rio de Janeiro, com a qual superou ameaças ao Poder Central e a população carioca , por certo influíram na sua escolha pela Regência.

Ao futuro Caxias foi dada a missão de pacificar o Maranhão ficando a ele subordinadas todas as tropas em operações do Maranhão e mais as do Piauí e Ceará . Nestes lhe foi concedida licença prévia de neles conduzir operações militares ,se necessárias a sua missão.

Em 7 fev 1840 ele assumiu suas funções em meio a euforia geral.E dirigiu sua 1a proclamação aos maranhenses dizendo-lhes a que vinha, E ela foi lida em todos os recantos:

"....Maranhenses venho partilhar de vossas fadigas e concorrer quanto em min couber para a inteira e completa pacificação desta bela parte do Império.

Um punhado de facciosos ,ávidos de pilhagem, conseguiu encher de consternação, de luto e de sangue, vossas cidades e vilas!

O terror que necessariamente deviam infundir-vos esses bandidos ,concorreu para que eles tivessem engrossadas suas hordas.

Contudo, graças à Providência ,as vitórias até hoje por eles alcançadas, começam a diminuir diante de vossas armas .

Mais um esforço e a desejada paz virá curar os males da guerra civil....................................Maranhenses ,mais militar do que político ,quero até ignorar os nomes dos partidos que por desgraça entre vós existam. Deveis conhecer a necessidade e as vantagens da riqueza e da prosperidade dos povos.

E confiando na Divina Providência que por tantas vezes nos tem salvado ,espero encontrar em vos maranhenses ,tudo o que for necessário para o triunfo de nossa causa.............."

Esta proclamação espalhada e meditada em todos os recantos do Maranhão terminou resultando na aceitação de Caxias pelos partidos e povo maranhense.

Como era de seu feitio Caxias passou a organizar suas forças sem descurar da estrutura de apoio logístico as mesmas. Colocou o pagamento da tropa em dia e a instruiu.

E assim Caxias encontrou as tropas postas a sua disposição segundo Vilhena de Moraes:

"As companhias inteiras vinham só com calças rotas ou de camisas e com o correame de couro cru sobre a pele. Uns só com espadas e outros com armas de caça. E a disciplina que apresentavam condizia com o grotesco de seus uniformes."

Caxias deparou no Maranhão com o jovem, honrado e severo oficial maj Feliciano Antônio Falcão, envolvido num desastre militar de Areias e vítima de uma intriga de seu chefe inepto e seus pares e motivada por inexperiência do que resultou não se sair bem num combate.

Caxias não aceitou o que se dizia do major eleito bode expiatório!. E deu-lhe uma chance.O colocou no comando de coluna de 500 homens num ataque importante.E o major não o decepcionou.E pelo contrário, cresceu operacionalmente ao ponto de Caxias premiá-lo por incluí-lo na comitiva que despachou do Maranhão para cumprimentar D.Pedro II pela Maioridade.

Criou então a Divisão Pacificadora dividida em três colunas operacionais:

A 1a coluna ocupou as comarcas de Caxias e Pastos Bons, ao comando do ten cel Sérgio de Oliveira. A 2a coluna ao comando do ten cel João Thomaz Henrique atuaria nas regiões de Vargem Grande e Brejo e, a 3a coluna ao comando do cel Souza Pinto Magalhães atuou ocupando a vila Icatu e margens do rio Mearim.

Os revoltosos maranhenses ligados aos bentevis eram estimados em 2.000 na comarca de Brejo e cerca de igual efetivo na comarca de Pastos Bons, além de grupos esparsos em torno da cidade de Caxias.

Os revoltosos não possuíam bases fixas .Sua estratégia era de guerrilha rural .Atacavam só pontos fracos das defesas do governo.A resposta a esta estratégia foi manter suficientemente guarnecidas as vilas e cidades mais importantes para os revoltosos.

E foi a partir desses pontos fortes criados que Caxias passou a combater a Balaiada usando com freqüência o cerco de contigentes rebeldes localizados.

Colocando o governo do Maranhão a funcionar a contento com freqüência Caxias deixou São Luis para dirigir pessoalmente as operações.

Usou como Posto de Comando o edificio da Câmara e Cadeia e a Casa da Pólvora .Prédios até hoje existentes e tombados pelo Patrimônio Histórico .

Com esta estratégia de sempre ser mais forte em todas as partes estratégicas para os balaios, aos poucos ele foi minando suas forças.

Engrossaram as hordas balaias escravos que as centenas fugiram de fazendas do vale do Itapicurú.Estes inicialmente se aquilombaram e depois passaram a atuar sob a liderança do negro Cosme Bento das Chagas ,em número estimado de 3.000 escravos.

Caxias com apoio do futuro Alte Tamandaré ,chefe das forças navais, pessoalmente reprimiram em Itapicuru - Mirim um levante da guarnição local por atraso de soldos .Foi um confronto sangrento ,mas terminou por restaurar a disciplina e punir e afastar os responsáveis.

Em 23 ago 1840 ao ser conhecida no Maranhão a Maioridade de D.Pedro II, Caxias achou o momento ideal para espalhar aos 4 ventos do Maranhão a seguinte proclamação antológica de que se reproduz aqui o seu cerne:

 

"Maranhenses ! Uma nova época abriu-se aos destinos da grande família brasileira. Sua majestade o Imperador empunhou o cetro da governança e assumiu os direitos que pela Constituição do Estado do Brasil lhe competem.

Declarado maior, ei-lo enfim como símbolo da paz, de união e de justiça colocado à frente da nação que o reclamava.

No interior da Província no meio dos bravos que defendem vossos bens e vidas, encontrou-me tão lisonjeira novidade.E se deixei aqueles bravos ,pois por eles daqui me havia ausentado,é para confirmar o que sabeis ,para participar do geral regozijo geral e aumentá-lo, se for possível, com a notícia da quase extinção da guerra civil. restando apenas da terrível tempestade uma nuvem negra ,que apesar de carrancuda breve será dissipada.

Maranhenses ! Um sublime pensamento deve agora inflamar o coração brasileiro. Aspérrima foi a longa experiência. Aproveitai-a. Amor ao Imperador, respeito às leis e esquecimento das vergonhosas intrigas que só tem servido para enfraquecer-. Um só partido enfim, o do Imperador.E no vosso entusiasmo repitam mil vezes. Viva sua Majestade o Senhor D.Pedro II, Imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil .Viva a nossa Santa Relegião. Viva a Constituição do Governo .

Na cidade de São Luiz do Maranhão, 27 agosto 1840 ."

Caxias exultava com a continuidade da Monarquia que fora posta em jogo em 7 abri 1831 e durante toda a agitada Regência. Dois dias antes fizera 37 anos.

A partir daí priorizou ações diplomáticas ou de relações públicas em nome do Imperador e da Igreja, E acenou aos rebeldes com concessões. Mas nem todos se sensibilizaram e continuaram as operações de rescaldo por quase 5 meses até 19 janeiro 1841 ,quando conseguiu a pacificação do Maranhão ,concedendo anistia a cerca de 2.000 revoltosos balaios com base em ato de D.Pedro II ,de 22 ago1840.

Curioso foi o líder balaio Matroá ,em Muritiba ,com 120 anos e que alardeava haver participado de todas as revoltas no Norte. Com ele Caxias falou e morreria um mês mais tarde após haver se entregue.

Ao passar o governo do Maranhão ao Dr Antônio Miranda Caxias lançou esta proclamação:

"Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados. Todos os seus chefes foram mortos presos ou enviados para fora do Maranhão. Restabeleceu-se a ordem. Fui sempre respeitado e odedecido. Todos os empregados e chefes de repartição desvelaram-se em cumprir os seus deveres durante o tempo de meu governo..Não me ufano de haver mudado corações e sufocado antigos ódios de partidos ,ou antes de famílias ,os quais se por um tempo se acalmam, tal como a peste, se desenvolvem por motivos que não podemos prever ou não nos é dado dissipar."

Pacificado o Maranhão foi promovido a oficial general como brigadeiro(atual general de Brigada) e o título de Barão de Caxias em razão da cidade de Caxias que se tornou símbolo da autodefesa popular à desordem e a anarquia, resistindo por 46 dias ao sítio dos balaios.

Raimundo Gomes rendeu-se em 15 jan 1841.Foi anistiado e enviado para São Paulo tendo morrido em caminho. Seu substituto ,o negro Cosme ,chefe de escravos ,continuou na luta. Preso foi julgado e condenado à forca em setembro de 1842.

Caxias segundo Vilhena de Moraes trouxe do Maranhão um índiozinho órfào filho de um cacique ao qual de seu nome Luis Alves. Nome que daria também ao seu filho nascido em 1847.A este índio de toda a confiança e estima da família ele deixaria em testamento toda a roupa de seu uso.

No combate a Balaiada houve muitos bravos . Entre eles se destacou o pernambucano filho de Goiana, ten Conrado José de Lorena Figueiredo que havia se assinalado em ações contra os balaios no Maranhão Piauí em Cajueiros,Mutuns,Brejo,Matasde Curimatã,Egito,Curral Velho Lagoa do Meio ,Remanso, Cristais, Cabeceiras ,Cajazeiras,Santa Rosa ,Bananeiras,Boqueirão,Curiaca,Baixa Fria, Brejinho etc.

Este herói tombou morto em ação em 25 set 1840 ,na comarca de Pastos Bons aos primeiros tiros com um punhado de balaios. Caxias ao saber do fato ficou muito sentido e dedicou uma Ordem do Dia a exaltar os feitos do ten Conrado.

E então escreveu ao ten cel José Thomaz comandante da coluna integrada pelo tenente:

"Muito penalizado fiquei com a notícia que me deu da morte do bravo Conrado. Eu não cheguei pessoalmente a conhecê-lo. Porém por ele nutria grande simpatia por tratar-se de um bravo e me informarem de que não era cruel para com os vencidos, nem dos que deixam o inimigo fugir quando acham boa bagagem(quando fazem bom saque).

Si ele não tivesse morrido, em breve seus serviços não seriam por min jamais esquecidos. Se ele é casado e V.Excia sabe o nome da mulher e filhos, mande-me dizer. Pois tomarei desde já sob minha responsabilidade mandar-lhes pagar o soldo com todas as vantagens da campanha, como pensão, até obter do Governo a sua confirmação, pois tenho certeza de que o conseguirei."

Esta qualidade de chefia é eloqüente e dispensa comentários. Depois Caxias soube que Conrado era solteiro ,conforme Vilhena de Moraes em Novos aspectos da vida de Caxias.

Ai lutou também o então alferes Antônio de Sampaio e atual patrono da Infantaria, onde comandou o destacamento de Passagem Franca.

Maiores detalhes para um aprofundamento sobre esta revolta nas obras entre outras :

SERRA,Astolfo.Caxias e o seu governo civil no Maranhão e A Balaiada.Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1943 e 1946.

PEIXOTO,Paulo Matos.A Balaida in: Caxias nume tutelar da Nacionalidade,Rio de Janeiro: Edico, 1973.v.1,p.44-75.