BENTO GONÇALVES DA SILVA ( 1788-1849 )

Cláudio Moreira Bento(x)


A excelente minisérie da Casa das sete mulheres da Globo tem focalizado justamente ,como herói maior do seu enredo, num misto de História e Fantasia ,o General Bento Gonçalves da Silva.

E como vilão numa brutal desfiguração de sua real imagem o paulista de Sorocaba, General Bento Manoel Ribeiro que o Almanaque de Zero Hora de 2 de fevereiro sintetiza em artigo –Um guerreiro pintado de vilão.

Apresentamos a seguir ,como já o fizemos com o General Bento Manoel, o perfil histórico de Bento Gonçalves ,para que o leitor e pesquisador interessado tenha uma visão da real dimensão do líder da Revolução Farroupilha e presidente da República Rio Grandense 1836-1845. Esta, foi a única experiência republicana efetiva no Brasil ,antes da Proclamação da República do Brasil ,há 113 anos . Republica Rio Grandense que exerceu grande influência sobre o Marechal Deodoro da Fonseca, como Presidente da Província do Rio Grande do Sul ,durante a Questão Militar, através da pregação de Júlio de Castilhos e de Assis Brasil , conforme ele reconheceu.

O último foi o 1o a escrever sobre a Revolução Farroupilha e República Rio Grandense do ponto de vista dos que as lideraram .

Em que pese as lideranças farrapas haverem lutado em defesa da Integridade e da Soberania do Brasil na Guerra do Paraguai como foi o caso dos sobreviventes farrapos Canabarro ,Netto ,Silveira, José Gomes Portinho e outros menos graduados persitiu na historiografia uma imagem distorcida ,fruto de uma monarquista irradiada do Sudeste ,sem levar em contra o quanto a Republica Rio Grandense contribui para a Republica Brasileira adotada entre nos há 114 anos contra os 67 anos que durou o Império. Este artigo procura iluminar e conciliar nos integrantes do Exército o quanto Bento Gonçalves contribuiu para as suas gloriosas Tradições .

 

Significação histórica

 

Prestou assinaladas serviços militares à preservação da Soberania e Integridade do Brasil nas Guerras de 1881-1812 ( Campanha do Exército pacificador da Banda Oriental ), guerras contra Artigas 1816-17 e 1821, 1 Guerra da Independência do Brasil na Cisplatina 1822-24 e Guerra Cisplatina 1825-28, na qual teve atuação destacada na proteção da junção do Exército do Sul, ao comando de Barbacena nas margens do arroio Lechiguana, em 5 de fevereiro de 1827, em manobra considerada " obra prima de estratégia". 2 E além na Batalha de Passo do Rosário , em 20 de fevereiro, no comando da 2ª Brigada de Cavalaria. 3

Por isso Bento Gonçalves atingiu a condição de coronel de Estado-Maior da 1ª linha do Exército Imperial.

Na Revolução Farroupilha foi o seu líder político-militar, tendo sido eleito Presidente da República Rio-Grandense e seu segundo general, mesmo preso, no Rio.

Bento Gonçalves foi um grande estudioso de História Militar Romana e da Revolução Francesa de onde tirou muitas inspirações para a sua atuação militar, circunstâncias que compensavam não haver cursado a Academia Real Militar de Largo de São Francisco, no Rio de Janeiro.

Em reconhecimento a seus serviços foi condecorado com a medalha da Campanha 1816-1821 contra Artigas e com as ordens de Cristo e da Rosa.

Para Arthur Ferreira Filho, grande intérprete do heróico espírito militar do Rio Grande do Sul - " Bento Gonçalves da Silva foi o maior rio-grandense do período, herói autêntico, figura de romance e a encarnação das melhores virtudes de nossa raça.

Personagem sem contrastes, brilhou como sol entre as luminárias de uma época em que o Rio Grande se notabilizou pela superioridade moral de seus filhos." 4

Confirmar esta afirmação do mestre é obra de simples verificação, da ligação do nome de Cel Bento Gonçalves usada como denominação de uma cidade e ruas, além de patrono do Regimento de Cavalaria da histórica e briosa Brigada Militar do Rio Grande do Sul, dentre outras justas homenagens recebidas como em curso a notável minisérie da Globo a Casa das Sete Mulheres em que se mistura em relação a este herói História e Fantasia

 

Naturalidade, ascendência e laços de família

 

 

Bento nasceu em Triunfo-RS, na margem do Jacuí , em 23 de setembro de 1788, tendo passado sua infância na Estância da Piedade, próximo a Triunfo, que fora fundado por seus avós maternos.

Foi o 10º filho do casal Alferes Joaquim Gonçalves da Silva e de Perpétua, nome que deu a uma das filhas .

Pelo lado materno era neto do paulista de Guaratinguetá, Antônio Costa Barbosa, e bisneto do casal Jerônimo de Ornelas - o patriarca de Porto Alegre, que por esta razão foi chamado Porto de Ornelas, e Lucrécia Leme Barbosa, também de Guaratinguetá, consangüínea do bandeirante Fernão Dias Pais Leme.

Seu bisavô, Jerônimo, era da ilha da Madeira e descendente de fidalgos. Com ele Bento privou, em Triunfo, em sua infância, desde que Jerônimo se mudara de Porto Alegre para Triunfo, em 1762.

O pai de Bento que lutara na Guerra 1763-1776 comprou junto ao rio Camaquã as sesmarias do Cristal, do Cordeiro, do Duro, do Santo Antônio do Paraíso, e das Sobras. Atingiu o posto de capitão de Ordenanças, foi vereador da Câmara de Porto Alegre, tesoureiro da Delegacia Fiscal, tendo servido de exemplo e conselheiro acatado para Bento Gonçalves até morrer.

Bento criou-se nas estâncias do rio Camaquã, tornando-se cedo um expoente nas lides campeiras, a par de apreciável cultura absorvida sob a orientação do pai, um homem de largos horizontes como o provou seu currículo sintético.

Bento, além de suas origens familiares distintas em São Paulo, na ilha da Madeira e Portugal, ligou-se por laços de família a diversas outras famílias distintas na parte Leste do rio grande. Eram seus parentes na Revolução Farroupilha entre outros, Araújo Ribeiro, Gomes Jardim ( primo ), Onofre Pires, Antunes Soares da Porciúncula, Florentino Souza Leite ( de Canguçu ) e Chico Pedro ou " Moringue " .

Serviu-lhe de padrinho de batismo o Tenente Manoel Carvalho que levantou a única planta até hoje conhecida de Fortaleza, Santa Tecla, em Bagé, antes de ser arrasada em 1776., conforme demonstramos na História da 3a Brigada de Cavalaria MecanizadaBrigada Patrício Correia da Câmara, em Bagé. Seu padrinho foi também o primeiro sesmeiro das terras onde hoje se ergue a cidade de Pelotas.

De Triunfo, depois da expulsão dos espanhóis da Vila do Rio Grande em 7 de abril de 1776 , partiram muitos dos povoadores de Tapes, Camaquã, Canguçu, Piratini ,Caçapava e Encruzilhada .

O filho de Bento Cel da Guarda Nacional Caetano Gonçalves da Silva teve destacada participação na Guerra do Paraguai tendo contribuído em Bagé expressivamente para a mobilização pelo General Osório do 3o Corpo de Exército ,conforme abordamos na citada obra em que abordamos a atuação de seu filho Major do Exército Bento Gonçalves da Silva (neto) no comando do Corpo de Transportes do Exército atacado em Rio Negro e que dali conseguiu escapar e foi participar da defesa de Bagé sitiada por federalistas por 46 dias ,no final de 1893 e inicio de 1894.

 

Furriel de Auxiliares

Na Campanha de Pacificação da Banda Oriental, 1811-12, integrou o Exército ao comando de D. Diogo de Souza. Assistiu à fundação de Bagé por D. Diogo e, de lá, aos 23 anos, escreveu ao pai " que tudo corre bem e que a experiência correspondida `as minhas expectativas" , depois de apresentar-se, em 15 de julho de 1811.

Sua primeira missão militar foi logística. Foi promovido a furriel de Auxiliares e colocado por D. Diogo, como Alcaide ou Juiz de Paz de Cerro Largo, ou Melo atual, para dali ajudar a suprir o Exército Pacificador, em operações.

Terminada a campanha se estabeleceu no local como comerciante. Ali conheceu , aos 26 anos a sua futura esposa a oriental Caetana, em 1814.

Em Cerro Largo trabalhou e estabeleceu largo círculo de amizades. Em Las Canas, afluente do rio Jaguarão, próximo à fronteira do Rio Grande, estabeleceu a sua estância de criar e invernar gado.

Com a esposa manteve modelar ligação, conforme correspondência disponível que não corresponde à falsa imagem de conquistador que a TV Bandeirantes vinculou em 2 de dezembro de 1985 no programa Guerra dos Farrapos.

 

 

Informante da Fronteira do Rio Grande

 

Face à difícil situação no Prata, Bento Gonçalves tornou-se agente de informações, no Uruguai, para o célebre fronteiro Manuel Marques de Souza, atual denominação histórica da 8a Brigada de Infantaria Motorizada em Pelotas ,conforme nosso obra A História da 8a Brigada de Infantaria Motorizada .Marques de Souza era o comandante da Fronteira do Rio Grande, herói da expulsão dos espanhóis da Vila do Rio Grande, em 1º de abril de 1776, como Ajudante- de - Ordens, do General Böhn e padrinho de batismo do Almirante Tamandaré .e avô do futuro Conde de Porto Alegre.

E, assim, Bento enviou informes, posteriormente confirmados, alguns com riscos pessoais, sobre as movimentações de Artigas.

Mantendo comércio com o Brasil, foi atingido duramente por medidas decretadas por Artigas, no sentido de impedir a passagem para o Brasil, de gado, couros e sebo da Cisplatina.

 

 

Capitão de Milícias contra Artigas

 

Acreditando que outras medidas restritivas seriam adotadas, uniu-se ao mais tarde Coronel de Milícias Albano de Oliveira Bueno, seu amigo e compadre, para o seguinte oferecimento, caso o Brasil invadisse a Cisplatina.

" Avisados com o tempo, desarmariam a guarnição de Cerro Largo, tirando-lhe os cavalos. Colocariam à disposição das Tropas do Brasil 600 cavalos e reuniriam 60 homens armados, desertores e foragidos, desde que fossem perdoados ou anistiados."

O Coronel Albano era filho de um paulista de Guaratinguetá. Na Revolução Farroupilha se colocou do lado do Império. Preso em Pelotas, no combate de passo dos Negros, foi morto no arroio Velhaco pela escolta, não se sabe em que circunstâncias. Albano deu o nome de albanesa a uma partida de espadas que adquiriu para seus homens .Foi com uma espada albanesa que Bento Gonçalves iria ferir de morte ,em duelo ,o Cel Onofre Pires ,próximo a Santana atual .

A oferta de Bento e Albano foi aceita mas as operações evoluíram.

Segundo interpretações dominantes, Bento foi eleito Juiz de Paz e Alcaide de Cerro Largo , localidade que foi invadida por artiguenhos. Estes saquearam e incendiaram suas vendas.

Antes dessa ação, em carta ao pai Bento escreveu em 4 de setembro de 1816:

" Estar estabelecido em Cerro Largo com negócios de fazendas e bebidas, haver comprado uma estância por 30 mil cruzados, com 12 mil de aviso, a qual possuía 15.000 reses, cavalos, carretas, escravos etc... e em dois anos pretendo estar livre de dívidas."

Durante a guerra contra Artigas 1816-17, Bento iniciou sua carreira militar, com 28 anos, que o conduziu, 13 anos depois, à sua promoção a coronel de 1ª linha e de Estado - Maior do Exércitp . E, em 1836, decorridos 20 anos de vida militar, a general de República Rio-Grandense e Comandante -em - Chefe de seu Exército.

 

Atuação nas Guerras contra Artigas

 

A partir de Cerro Largo apoiou logisticamente a Divisão de Voluntários Reais, que invadiu o Uruguai, ao comando de Lecor, pelo litoral, e na qualidade de alcaide e juiz de paz.

Foi alvo de represália que destruiu e saqueou sua casa comercial. Obrigado a ir para o Serrito do Jaguarão ( Jaguarão atual ) foi colocado è frente de uma guerrilha.

Em fevereiro de 1817 destroçou partida inimiga que saqueava Herval. Em 22 de abril de 1817, a partir de Encruzilhada do Sul, recrutou guerrilheiros de Encruzilhada, Canguçu, Piratini, Pinheiro Machado, Herval e Jaguarão atuais para liderar a defesa móvel da Fronteira, no rio Jaguarão, depois de a medida ser aprovada pelo Marques de Souza (I), Comandante da Fronteira, em Rio Grande.

Com esta tropa e o título de Comandante da Partida Volante da Fronteira de Jaguarão ingressou, em 22 de setembro de 1817, no serviço militar, em caracter oficial, através de ato do Marquês de Alegrete Capitão General do Rio Grande(atual RGS) e que sintetizo:

" Ordem para organizar de novo a guerrilha do Capitão Bento Gonçalves da Silva, com homens desde que não desertores, a partir de hoje.

O ponto de reunião deve ser ao sul do Jaguarão, na faixa entre Jaguarão e Bagé. Bento terá liberdade de interiorizar-se no Uruguai e lá praticar todas as hostilidade permitidas pelo direito de guerra. " Terminava dizendo que Bento " pelas provas de valor e lealdade, iria bem cumprir os deveres do bom português". 5

Dentro desse contexto Bento Gonçalves participou das seguintes ações:

Em 1818 em Currales derrotou o oriental Moreira. Em 20 de julho de 1818, em Las Canas, derrotou e aprisionou Delgado. Em 6 de maio de 1815, em Cordovez bateu e aprisionou Ortoguez. Em 25 de julho de 1815, em Carumbé destroçou " Lopes Chico". Em janeiro de 1820, no arroio Olimar, derrotou o coronel Aguiar.

Estava, pois, formado guerreiro, na Academia Militar dos Coxilhas da Fronteira do Vai e Vem 6 " vendo, tratando e pelejando", segundo Camões.

 

Traços de seu perfil militar

 

Sobre seu perfil militar escreveria em Canguçu mais tarde uma testemunha ocular na Revolução Farroupilha, o Tenente Caldeira 7

" Foi o primeiro general da república, tanto pela tática militar, como pelo prestígio na Província do Rio Grande. Era um cidadão muito atencioso, prudente e valente como os mais valente dos generais do Exército ( Rio-Grandense ).

Era de boa estatura e bem feito de corpo. Tinha a cabeça pequena e redonda. Era a primeira espada da Província e tinha conhecimento da História Romana."

Noutra oportunidade o mesmo depoente o definiu melhor ainda:8

" Bento Gonçalves era um homem prudente, não só frente ao inimigo e também no círculo de seus amigos. Em combate ele era o primeiro visado pelo inimigo. Sabia o momento de atacar e vencer, bem como o da retirada, quando julgada conveniente. Era um homem popular e apreciado. Era bem apessoado, mais alto do que baixo. Possuía ombros largos e corpo bem desembaraçado e flexível. Era bonito de rosto e simpático. Era uma das primeiras espadas do seu tempo. Desconhecia homem que lhe impusesse condições. Por tudo, o povo o seguia como se fora ele a alma dos rio-grandenses... Ele era símbolo de Liberdade, como João Antônio Silveira era o da Prudência.

Era um perfeito patriota! Possuía predicados desconhecidos pelo homem normal. Não era um homem de cultura comum. Era ilustrado e dava-se muito à leitura de obras de peso. "

Aqui ressalta a importância da cultura geral do líder e especialmente em História Romana. Esta, fonte e inspiração de sua cultura militar notável.

Morivalde Calvet em estudo sobre o líder farrapo apresentou os dados a seguir:

Bento Gonçalves foi mestre consumado de todos os esportes campeiros. Sobre ele escreveu Garibaldi:

" Bento Gonçalves cavalheiro errante do ciclo de Carlos Magno, irmão pela alma dos Olivérios e Rolandos, vigoroso, leal, ágil com eles. Era um verdadeiro centauro, manejando um cavalo como eu nunca vi ser manejado, senão por outro gaúcho rio-grandense, o general Neto. "

Penso que esta circunstância por si só naquele tempo assegurara o status de ídolo popular a Bento Gonçalves.

Sobre sua rusticidade atesta a sua alimentação diária em campanha, " churrasco e água pura" – frugalidade espartana.

Francisco Sá Brito, ex-ministro farrapo em Memória da Guerra dos farrapos, concluída em 1875 em que pese reservas a Bento Gonçalves sobre ele escreveu:

" Devo aqui fazer justiça ao nobre caracter e suma bondade do chefe da Revolução. Se estudos regulares ornassem seu espírito para os quais tinha uma imensa agilidade, esta condição somada ao seu caracter enérgico tão generoso e vistas elevadas e perspicaz e ,teria feito dele um homem destinado para grandes, gloriosos e proveitosos feitos ."

É o testemunho de um jurista que estudou em Coimbra e São Paulo de 1826-32 e foi jornalista de o Echo -:Porto Alegrense e O Continentista e a quem Bento Gonçalves convocou de pois da vitória de 20 de setembro para dizer-lhe e a outros líderes civis:

" A força já fez o que lhe cumpria fazer. Agora compete aos senhores, como pessoas inteligentes, encaminhar a governança do país."

Foi ainda numa assembléia presidida por Sá Brito e secretariada pelo Major do Exército José Mariano de Mattos que Bento Gonçalves deu prova eloqüente de sua grandeza de espírito e autoridade moral.

Tratava-se de uma manobra revanchista liderada por Pedro Boticário, como Juiz de Paz. Inicialmente foram relacionados 400 nomes de adversários, em maioria portugueses, que deveriam ser apontados. Entregue esta relação a uma comissão ela reduziu o número a 140 depois de três dias. Mais dois dias de estudo ficou reduzida a 40 nomes.

Ao Bento Gonçalves retornar de Rio Grande foi-lhe apresentada. Ele a leu calmamente. E tranqüilo e serenamente a atirou embaixo da mesa e disse a todos os presentes: " – Isto não tem lugar ! Passemos ao próximo assunto!." E ninguém voltou com o projeto revanchista.

Bento Gonçalves havia retornado de Rio Grande onde depois de obter a adesão de sua Câmara fez proclamação aos seus companheiros recomendando .

" Usai moderação depois do triunfo . O menor insulto às pessoas e bens de vossos inimigos será uma mancha em vossa glória."

O seu conceito nacional foi assim interpretado por Evaristo da Veiga na Aurora Fluminense, o que dificulta negar a sua condição de ídolo e herói popular do Rio Grande com projeção nacional alegada por alguns estudiosos.

"O Coronel Bento Gonçalves da Silva tem por seu valor adquirido um nome brasileiro ( projeção nacional ) : Valente defensor de sua Pátria contra o inimigo estrangeiro, por sua probidade, coragem e retidão conquistou entre os povos da fronteira do Rio Grande, onde mora, um tal conceito que por seu nome toda aquela população se move para o combate, certa de que marcha para a vitória e de que possuem um chefe leal e um brioso companheiro de armas."

Repare-se as expressões probidade, retidão reconhecidas pela imprensa da capital do Império.

Depoimento dos que com ele conviveram referem a sua religiosidade equilibrada, sincera, sem fanatismo e a sua simplicidade no vestir quase sempre à paisana com uma jaqueta de brim. Nunca usando fardão com medalhas e condecorações que possuía.

Quando era impositivo fardar-se envergava jaqueta de pano azul da Cavalaria ou verde da Infantaria, conforme tivesse que homenagear uma ou outra arma , e sem insígnias.

Segundo conclui de Fontoura em seu Diário , Bento Gonçalves durante marchas noturnas e acampamentos dava assistência cerrada a tropa, percorrendo todos os grupos e comunicando e convencendo seus soldados de seus projetos.

Segundo se conclui do Tem Cel Oscar Wiedrsphan ao biografá-lo, assim escreveram sobre Bento Gonçalves seus superiores nas guerras contra Artigas:

" Muito desembaraçado e prestimoso para o serviço desta campanha ( uruguaia ) em que é sumamente prático ( Marquês de Souza, Comandante da Fronteira do Rio Grande ). "Subordinado ativíssimo e valoroso" ( Do Ajudante-de-Ordens do Marques de Alegrete). "Prestou relevantes serviços. É valente " ( Conde da Figueira ). 9

Compõe seu perfil militar e atesta seus serviços, decreto de 24 de janeiro de 1834 da Regência que lhe concedeu pensão de 1.200$000 réis anual. 10

" Atendendo aos relevantes serviços que tem prestado por longos anos nas trabalhosas campanhas do Sul, onde sacrificou toda sua fortuna, a maior parte dela despendida ao serviço da Pátria e, tomando em consideração que esse benemérito oficial, possuindo fazendas no Estado Oriental, as abandonou ao inimigo que corajosamente debelara, desprezando seus convites ( ofertas ) com brio e honra, o que lhe são próprios , portando-se em todo o tempo com a maior firmeza de caráter, amor e adesão à Independência do Império, à sua Constituição e ao Sr. D. Pedro II, tendo sempre, em maior conta, o serviço da Nação, do que a sua numerosa família, que com ele passara as maiores privações."

E reconhecendo a Regência que estes serviços tão importantes, até então não foram premiados ou compensados, foi-lhe concedida a pensão que foi aprovada pela Assembléia.

Quando Bento Gonçalves foi promovido general da República, em 12 de novembro de 1836, a justificativa da República Rio - Grandense escudou-se no seguinte argumento que compõe seu perfil militar:

" Por merecimento, valor, acrisolado patriotismo, perícia militar e relevantes serviços prestados è causa da liberdade rio-grandense." 11

Caldeira para comparar Bento e Netto diz que o primeiro sabia combinar as três armas e que Netto não, pois só sabia empregar Cavalaria.12

Domingos José de Almeida que conviveu intimamente com Bento Gonçalves assim traçou seu perfil por volta de 1850:

" Aprendeu apenas as primeiras letras. Sendo criado no exercício do campo, se fez insigne cavaleiro. Era de estatura ordinária e proporcionada, mas dotado de força e destro ( hábil ) no manejo de diversas armas. Era de fisionomia regular e simpática e muito popular.

Cultivou com grande assiduidade seu grande talento no estudo da História. Principalmente sobre a vida dos grande homens, dos quais sempre trazia alguns casos em suas conversações particulares."

Vê-se que foi um autodidata. Outro contemporâneo refere aos estudos de Bento Gonçalves de História Romana. Em correspondência ele referiu a personagens da História Romana e da Revolução Francesa.

Aí estão algumas de suas inspirações.

Almeida confirmou noutra oportunidade o que afirmara. Escreveu que Bento Gonçalves iniciou a vida como furriel de Auxiliares em 1811-1816 e, o mais importante:

" Que era um homem incapaz de dirigir uma revolução porque seu coração de mulher ( bondoso ) estava sempre em luta com seu espírito forte e superior a todas as vicissitudes.

Depois de afirmar que seu " coração bondoso predominava a maior parte das vezes sobre o seu espírito forte e resoluto" concluiu que as decisões de Bento Gonçalves" eram sempre rápidas e enérgicas", seja sobre influência da bondade ou de seu espírito forte e superior.13

 

 

Ação na Guerra Cisplatina 1825-28

 

Bento Gonçalves saiu major de Milícias na guerra contra Artigas. Participou ativamente, em Serro Largo, da incorporação do Uruguai ao Brasil como Província Cisplatina e mais tarde em 1824, do dispositivo militar que consolidou, em Montevidéu, a Independência do Brasil, na Província Cisplatina.

Desde de 1824, Bento Gonçalves, como tenente coronel de Milícias radicado em Serro Largo, passou a comandar, dali, aquela Fronteira, com apoio no Regimento de Cavalaria de Milícias que organizou, com sede em Jaguarão. Regimento que com a criação do Exército Brasileiro em 1º de dezembro de 1824, passou a ser o 39º Regimento de Cavalaria de 2ª Linha a seu comando.

Antes de irromper a guerra Cisplatina 1825-28 , Bento Gonçalves já havia vendido sua estância Leonche, em Serro Largo.

Mudou então sua família para estância do Cristal, junto ao rio Camaquã, hoje, sede do Parque Histórico Bento Gonçalves.

Em 12 de outubro de 1825, aniversário de D. Pedro I, Bento Gonçalves foi promovido a coronel, no mesmo dia em que, na Cisplatina, no combate de Sarandi, conheceu o sabor da derrota, ao comando do seu tocaio o Coronel Bento Manuel Ribeiro.

Em 24 de maio de 1827, no Passo São Diogo, bateu força argentina. Em 22 de junho seguinte, na Estância do Sego, bateu destacamento do General La Valle.

Por ocasião das marchas estratégicas dos Exércitos do Brasil, ao comando do Marquês de Barbacena e o republicano, ao comando de Alvear, para a Batalha do Passo do Rosário, em 20 de Fevereiro de 1827 e, nesta histórica batalha, teve papel de relevo no comando da 2ª Brigada de Cavalaria. 14

Inicialmente cobrindo o flanco; a partir de Jaguarão, da coluna do general Brown que de Pelotas rumou para operar junção com Barbacena que marchava desde Santana, protegida no flanco direito por Bento Manuel.

Depois, em Santa Tecla cobriu o Exército de Barbacena e em seguida protegeu a homérica transposição do Camaquã - Chico, da citado Exército de Barbacena, quando impediu a interferência de Alvear.

Cobertura decisiva para o Exército do Sul operar junção em região de serra, no arroio Lechiguana. Posição interposta entre Alvear e os principais centros gaúchos da época.

Finalmente, na Batalha de encontro de Passo do Rosário, na proteção do flanco direito do Exército, e cobertura da retirada estratégica para o Passo São Lourenço, no rio Jacuí, para fugir ao incêndio, conforme estudamos na revista a Defesa Nacional . 15 e agora com mais detalhes na obra 2002-Os 175 anos da Batalha do Passo do Rosário ,no prelo

 

 

Antecedentes da Revolução Farroupilha

 

Em 1825 Bento Gonçalves foi promovido a coronel de 1ª Linha e de Estado - Maior do Exército , cabendo-lhe o comando da Fronteira do Jaguarão e da unidade de 1ª Linha – 4º Regimento de Cavalaria, com parada em Jaguarão ( Serrito ), não confundir com Serrito do Piratini (Vila Freire).

O espírito liberal gaúcho tendia para o ideal de república-federativa, desde 1889 uma realidade no Brasil. Idéias propagadas no século 19 e que se projetaram no Brasil e no espírito da revolução, conforme estuda Calvet Fagundes, no fundamental instrumento de trabalho do historiador gaúcho A Maçonaria e as forças secretas da Revolução, 16 que não pode ser desconhecido do historiador político, ao tratar do século citado, tão marcado pela influência da Maçonaria.

Isto, sob pena incorrer em falsas visões e interpretações. Bento Gonçalves passou por suas qualidades a se impor como líder e o catalisador espírito rio-grandense.

Este inconformado através de lideranças de charqueadores e estancieiros com os exorbitantes impostos sobre charque, couro e légua do campo; alta taxa de importação do sal de Cadiz para as charqueadas; fechamento da fronteira, ao ingresso de gado uruguaio no Brasil, e depois liberado com pesados impostos; não protecionismo do charque gaúcho, nos portos do Brasil, onde não podia concorrer com charque uruguaio.

Esta situação depois da guerra Cisplatina1825-28, em que os campos gaúchos foram talados pelo invasor e pelo Exército Imperial, não fazia justiça aos rio-grandenses e, inclusive, aos chefes militares locais, que foram preteridos no comando do Exército do Sul.

A República Federativa, vitoriosa no Prata, influi muito no ânimo de muitos rio-grandenses, segundo se conclui de Ferreira Filho. 17

Ela era uma alternativa válida dentro daquele quadro de discriminação do Sudeste com o Sul, após a Independência.

Bento Gonçalves, inclusive, fora duramente atingido pelas medidas econômicas adotadas pelo Império sob a forma de impostos e protecionismo ao charque uruguaio.

Nas guerras contra Artigas perdera suas propriedades na Cisplatina. Ao tentar recuperar-se financeiramente, na estância do Cristal, em Camaquã, uma situação fiscal adversa que provocou recessão da economia gaúcha, o colheu em cheio, como outros no seu caso.

Na guerra Cisplatina 1825-28, inúmeros estancieiros que sofreram prejuízos não foram indenizados pelo Império. Tiveram seus campos talados pelos exércitos em luta.

A Revolução de 7 de abril de 1831, que depôs D. Pedro I , pareceu à primeira vista que traria em sua esteira conseqüências benéficas à aflitiva situação dos rio-grandenses.

Bento Gonçalves mantinha, na fronteira, ligações com Lavaleja e outros líderes platinos através de canais maçônicos.

Denunciado na Corte, foi chamado ao Rio, onde foi defendido pelo Major João Manuel de Lima e Silva(mais tarde elevado ao posto de 1o general da República e cunhado de Corte Real), junto ao seu irmão regente – Francisco, pai do futuro Duque de Caxias.

Bento Gonçalves retornou depois de contato pelos canais maçônicos, segundo Calvet Fagundes 18 com diversos liberais, inclusive com Evaristo da Veiga, jornalista de A Aurora Fluminense.

Com o Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, foram eleitos para a Assembléia Legislativa do Rio Grande que foi instalada em 12 de abril de 1835, cinco meses antes da Revolução Farroupilha, entre outros liberais, os seguintes oficiais da 1ª Linha do Exército:

Bento Gonçalves, Bento Manuel, José Mariano de Mattos e José Pinheiro de Ulhoa Cintra ( suplente ) desgostosos com a política de erradicação e sucateamento do Exército e Marinha , desde 7 de abril de 1831. Em reunião da Assembléia, o Presidente da Província acusou nominalmente Bento Gonçalves:

" De combinação com Lavaleja e seu mentor o padre Antônio Caldas e, ambos, em território do Brasil, estarem trabalhando para separar o Rio Grande do Império e federa-lo ao Uruguai. "

O padre Antônio Caldas era alagoano, constituinte de 1824, que, preso na Fortaleza de Santa Cruz, dela fugiu e foi acolhido pelos líderes argentinos e uruguaios em nome da Maçonaria, conforme estudamos na Revista do Museu do Açúcar. 19

Esta atitude acendeu a fogueira. Bento recolheu-se à sua estância no Cristal. Em Alegrete, Bento Manuel Ribeiro foi substituído no comando da Fronteira do Rio Pardo .

A fogueira aumentou com a lenha lançada pelo incidente Major João Manoel de Lima e Silva x Visconde de Camamu, Major Egídio Barbuda Gordilho.

Camamú acusou falsamente João Manoel pelo jornal. Este processou Camamú que foi condenado à prisão comum. O radical irmão do Presidente da Província, Pedro Chaves, tentou relaxar a prisão.

Aí entrou em cena o advogado português Pedro Boticário, que conseguiu, derrotando o Presidente e seu irmão, que Camamú fosse entregue e recolhido à prisão comum.

Disto tudo segundo Ferreira Filho, a Revolução Farroupilha estourou, graças, em grande parte, à intolerância radical de alguns governantes.

Entre estes se encontrava o Marechal Sebastião Barreto, comandante das Armas ( inimigo do marechal José de Abreu que morreu em Passo do Rosário),e que votava ódio a Bento Gonçalves. 20 e a Bento Manoel .

 

Plano para início da Revolução Farroupilha

 

Bento Gonçalves, como Comandante Superior da Guarda Nacional da Província, cujos principais líderes eram estancieiros e charqueadores ( sendo que muitos seus parentes e amigos), desenvolveram o seguinte plano militar, que com apoio em Alfredo Varela procuro interpretar e sintetizar: 21

Finalidade: Derrubar o Governo da Província, representado pelo Presidente e seu suporte militar, o Comandante das Armas e o Comandante da Fronteira do Jaguarão e assumir o controle político –militar de toda a Província.

Objetivos:

- Neutralizar as ações do Comandante – das - Armas e do Comandante da Fronteira do Jaguarão ( cargo do qual Bento Gonçalves fora demitido pelo Comandante – das - Armas desde 30 de dezembro de 1834 ), na oportunidade em que eles se encontravam tratando de interesses particulares, em suas estâncias.

- Conquistar o controle de Alegrete, São Borja, Cruz Alta e respectivas áreas de influência, sob a liderança de Bento Manoel e com o concurso do 8º BC de Linha de São Borja, ao comando do Major João Manoel de Lima e Silva ( tio de Caxias ), e irmão do Ministro da Guerra do Império ..

- Conquistar o controle político - militar das seguintes localidades, além de Alegrete: Jaguarão, Bagé, São Gabriel na fronteira com o Uruguai e, mais a retaguarda – Herval, Canguçu e Piratini, na Serra dos Tapes e Encruzilhada e Caçapava, na Serra do Herval; no corte do Jacuí, Rio Pardo , importante centro provincial e Cachoeira e Triunfo; em torno de Rio Grande, ao Sul, Povo Novo ( terra de Netto ) e ao norte Mostardas Estreito e, em trono de Porto Alegre, Guaíba ( na época Pedras Brancas ), Viamão e Santo Antônio da Patrulha.

Não foram incluídas Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, São José do Norte e a Colônia de São Leopoldo, núcleos sob controle dos imperiais, bem como Herval.

Bento Gonçalves contava com o apoio das unidades de linha do Jaguarão, Bagé, São Gabriel, Rio Pardo e São Borja, pois, dois comandantes delas, João Manoel de Lima e Silva e José Mariano de Mattos, estavam comprometidos com a Revolução. Eram os únicos com curso na Academia Real Militar do Largo de São Francisco, no Rio.

No dia do início da Revolução julgava-se Bento Gonçalves distante e em licença em Entre - Rios.

Mas ele encontrava-se em seu QG revolucionário, em Guaíba ( Pedras Brancas ), acolhido na casa do primo Gomes Jardim, dando os últimos retoques e instruções para que o movimento fosse simultâneo. Sua última instrução foi dirigida a Canguçu, para seu amigo e parente Florentino Souza Leite.23 Dali ele poderia acompanhar o lance decisivo – a conquista de Porto Alegre.

 

Execução do Plano

 

Em 19 de semtebro de 1835, forças ao comando dos parentes de Bento Gonçalves, Onofre Pires e Gomes Jardim, cerram sobre Porto Alegre.

Onofre, depois de concentrar, em Viamão, elementos locais de Osório, Santo Antônio e Gravataí atuais. Gomes Jardim depois de atravessar o Guaíba, com elementos que reuniu em Pedras Brancas (Guaíba ) uniu-se a Onofre Pires, mais tarde morto em duelo com Bento Gonçalves, a quem coube dirigir a ação, a partir de posições hoje ocupadas pelos cemitérios, junto à ponte Azenha ( ponte do moinho ).

O ataque teve lugar à noite, com vantagens para os revolucionários que penetram em 20 de setembro , no perímetro, sem reação, com adesão da Guarda Nacional e reforço de cerca de 300 homens do Capitão Manuel Antunes de Porciúncula ( concunhado de Bento ), que este propusera para comandar os Permanentes antes de 30 de novembro, no que foi recusado pelo Presidente Braga. Aumentada a pressão, a Polícia ( Corpo de Permanentes ) desertou. O Presidente Braga procurou reagir no Arsenal de Guerra.

No desamparo, embarcou na escuna " Rio-Grandense" e rumou para Pelotas à procura de apoio. Lá prendeu, sob suspeita de querer atuar sobre ele, o mineiro Domingos José de Almeida, que transportou preso para Rio Grande, soltando-o, somente, quando vitoriosa a Revolução e embarcou forçado para o Rio de Janeiro.

Em todos os outros lugares a revolução impôs-se, sem resistência, à exceção dos seguintes:

Rio Pardo resistiu até 30 de setembro, sob a liderança do Marechal João de Deus Mena Barreto. E capitulou na presença de Bento Gonçalves e com reforços da Guarda Nacional, de Cachoeira e Triunfo.

Em São Gabriel houve resistência até 4 de outubro de 1835, quando o 3º Regimento de Cavalaria de Linha aderiu à revolução, ali liderada pelo tenente-coronel e mais tarde general farrapo João Antônio da Silveira.

São Gabriel revolucionária, dissuadiu a reação do Comandante das Armas, seguida de seu internamento no Uruguai, ao ver, em Batovi, o 2º RC de linha de Bagé aderir à Revolução. Foi substituído na função, pela revolução vitoriosa, pelo Coronel Bento Manoel Ribeiro, seu desafeto.

A reação mais forte foi, em Herval, do Tenente-Coronel João da Silva Tavares, que passou a dominar a área entre o Jaguarão e Pelotas, com um grupo de homens de sua família.

Lançou-se contra o Capitão Domingos Crescêncio de Carvalho, que havia aderido à revolução com o 4º RC de 1ª Linha, de Jaguarão, obrigando-o a emigrar. Mais tarde, em 16 de outubro, o Capitão Crescêncio bateu Silva Tavares, no Retiro, no arroio Pelotas, junto a Pelotas atual.

O Major Manuel Marques de Souza protegia Pelotas que reagia à revolução por ter sido muito prestigiada pelo Presidente Braga que a elevara à cidade com o nome de Pelotas.

Ao Marques de Souza, futuro Conde de Porto Alegre, coube a última reação, ao vencer, em 14 de outubro de 1835, no arroio da Várzea, próximo a Pelotas, o Capitão Manuel Antunes de Porciúncula.

Bento Gonçalves decidiu numa ampla manobra estratégica, submeter ao mesmo tempo Pelotas, Rio Grande e São José do Norte.

Enviou Onofre Pires, a partir de Porto Alegre, contra São José do Norte, para servir de bigorna ao papel que ele faria de martelo, para submeter Rio Grande, abrigo do Presidente Braga deposto.

Assim, a partir de Porto Alegre, através de passo da Armada, no Camaquã, depois de reunir recursos em Camaquã, Encruzilhada, Canguçu e Pelotas ,ocupou esta última cidade forte de 400 homens, forçando a que sua Câmara reconhecesse o Governo Revolucionário em 15 de outubro.

A seguir transpôs o Passo dos Negros, no São Gonçalo. Em 20 de outubro cercou Rio Grande. Rendido, e sem condições de resistência, o Presidente Braga deixou Rio Grande, em 23 de outubro, depois da Câmara local reconhecer o Governo Revolucionário, bem como a de São José do Norte.

Com o reconhecimento do Governo Revolucionário pelas câmaras de Pelotas, Rio Grande e São José do Norte coroava-se de êxito o plano revolucionário farrapo.

Bento Manoel assumiu o Comando – das - Armas revolucionário. Os 8º BC de Lima e Silva e o 1º Corpo de Artilharia a Cavalo de Mattos retornaram de São Borja, e Rio Pardo para o esquema de segurança do Governo Revolucionário, em Porto Alegre.

Assim, em cerca de 1 mês, a Revolução Farroupilha havia dominado e empolgado todo o Rio Grande do Sul e, particularmente, seus mais importantes e estratégicos pontos: Rio Grande, Porto Alegre e Rio Pardo e com apoio das cinco unidades de Linha: 3 Regimentos de Cavalaria ( Jaguarão, Bagé e São Gabriel ), Batalhão de Caçadores e 1 Corpo de Artilharia a Cavalo, a mais importante guarnição do Exército.

Fora do Rio Grande estavam os maiores obstáculos e a causa próxima da Revolução: O Presidente Braga e o Marechal Sebastião Pereira Barreto .

Toda esta trama liberal republicana é explicada por Morivalde Calvet Fagundes na obra A Maçonaria e as forças secretas da revolução, instrumento de trabalho fundamental ao historiador do século XIX em geral ,repetimos.

 

Reviravolta na Revolução

 

Depois de consolidada a Revolução com domínio de todo o Rio Grande do Sul de então, o quadro vai alterar-se substancialmente, a partir da posse, em janeiro de 1836, do novo Presidente Araújo Ribeiro, em Rio Grande. Contou com o Coronel Bento Manuel Ribeiro para lutar pelos imperiais, o que se deu ( dezembro de 1835 a março de 1837 ).Muitos revolucionários se satisfizeram com a derrubada do governo provincial ,como foi o caso do Tenente Osório futuro Patrono da Cavalaria do Exército .

E por uma hábil e incruenta manobra política a estratégica , a cidade do Rio Grande voltou definitivamente ao Império, junto com São José do Norte. Serviu para o Império ali estabelecer inexpugnável base terrestre e naval, aberta a reforços de toda a natureza e protegida pelo canal São Gonçalo.

Porto Alegre foi reconquistada em definitivo, em 15 de junho de 1836, com a prisão de 36 líderes revolucionários. Este fato fez abortar a idéia de reconquistar Rio Grande e criou condições de apoio mútuo de Porto Alegre e Rio Grande, através das forças navais que em pouco dominaram toda a navegação interior do Rio Grande ( 23 de agosto de 1836 ).

Este fato veio agravar-se ainda, mais quando Bento Gonçalves foi preso na ilha do Fanfa, quando retirava-se do sítio de Porto Alegre, e ao atravessar o rio Jacuí . Isto por insistência imprudente de Onofre Pires, desde então seu inimigo, ao ser criticado por ele Bento.

Estas circunstâncias adversas foram amenizadas com a vitória de Netto, em Seival, em 10 de setembro de 1835,com a sua Brigada Liberal integrada por gente de Piratini e de seus distritos Canguçu, Cerrito e Bagé ate o Pirai , seguida da Proclamação da República no dia seguinte, no Campo do Menezes.

Bento Gonçalves fora favorável a bater por partes o adversário. Primeiro Bento Manuel, depois de conquistar Rio Grande e, finalmente, Silva Tavares. Mas foi voto vencido pelo Major João Manoel que decidiu que Bento Manuel e Rio Grande fossem atacados ao mesmo tempo, segundo Canabarro Reichardt ao biografar Bento Gonçalves ( Ed. Globo, 1933 ).

 

Prisão e fuga de Bento Gonçalves

Em 4 de outubro de 1836, Bento Gonçalves foi obrigado a render-se sem aceitar as condições que lhe foram oferecidas.

Elas implicavam na cessação da Revolução. Ele, estava ferido a bala desde Viamão.

Foram presos com ele, Onofre Pires e o Conde Tito Lívio Zambecari. Bento Gonçalves e os demais foram levados para o Rio, para a Fortaleza de Santa Cruz. Ali já se encontravam vários aprisionados em Porto Alegre, quando esta foi tomada pelo Império.

Bento Gonçalves recriminou Onofre Pires como responsável, pelo peso de sua opinião, pela armadilha da ilha do Fanfa. Teve com ele uma discussão, ao ponto de quase irem às vias de fato, não fora a intervenção de Greenfel, segundo testemunhou Caldeira.

Esta inimizade se acentuou em Alegrete. Isto quando Onofre Pires integrou a minoria oposicionista na Assembléia Constituinte, instalada em 1º de setembro de 1842, em Alegrete, o que provocou a renúncia tempos depois de Bento Gonçalves à Presidência e ao Comando – em - Chefe.

Ela foi terminar em 27 de fevereiro de 1884. Tudo por haver se deixado, cego pela paixão, ser manipulado por um grupo, que nem sequer prestou-lhe assistência nos seus últimos momentos.

Quando Bento Gonçalves retornou da Bahia de onde fugira, Onofre Pires recusou a entregar –lhe o Comando do sítio de Porto Alegre , conforme registrou Caldeira, em seus "Apontamentos".

Bento, Onofre e Zambecari foram levados ao Rio, à Fortaleza de Santa Cruz, para fazerem companhia aos presos, em Porto Alegre, e mais Corte Real, preso em combate por Bento Manuel, no passo do Rosário.

 

Bento Gonçalves preso no Rio e Bahia

 

 

Bento partiu consciente de que o vácuo de poder gerado com a prisão e dos demais, com a queda de Porto Alegre, tinha sido preenchido com a Proclamação da República por Netto.

Em 15 de março de 1837, falhou sua fuga da Fortaleza Lage, em solidariedade a Pedro Boticário que, por ser gordo, não conseguiu passar por uma janela. Melhor sorte tiveram Corte Real e Onofre.

Bento foi transportado para Bahia e preso no Forte do Mar. Comandava o navio, o mais tarde Visconde de Inhaúma, herói da Guerra do Paraguai.

Em 10 de setembro de 1837, decorridos 13 dias preso na Bahia, Bento, com auxílio da Maçonaria, evadiu-se do Forte do Mar em operação com o concurso do Tenente Coronel Francisco José da Rocha que estudamos pioneiramente em O Exército Farrapo e os seus chefes

Este, mais tarde, no Rio Pardo terá um sério incidente de insubordinação com o General Bento Manuel. E este, em conseqüência, abandonará a causa republicana para longa neutralidade ( 18 de julho de 1839 a 9 de novembro de 1842 ).

Isto por alegar e com razão haver sido desprestigiado com a promoção do citado oficial, em que pese as satisfações tentadas por Bento Gonçalves ,para cobrir erro clamoroso praticado por subordinados a ele pelo jornal O Povo .

A fuga de Bento Gonçalves foi desvendada por Pedro Calmon e assim sintetizo:

Do Forte do Mar Bento Gonçalves foi levado à ilha Itaparica. Foi embarcado num navio que transportava farinha para Pelotas e Montevidéu. Foi desembarcado em Florianópolis atual. Dali seguiu a cavalo, em companhia do catarinense Mateus.

Em 3 de novembro de 1837, atingiu Torres e em 10 de novembro de 1837, Viamão ( depois Setembrina ) - Quartel-general do sítio ao Comando de Onofre Pires.

Isto, decorridos 1 ano e 7 meses de sua prisão e dois meses de sua fuga da Bahia.

Ambas as prisões no Rio e Salvador eram insalubres e desconfortáveis, conforme trecho de carta na qual Bento pedia

" Mais 3 camisas, por estarem em frangalhos as suas, um capote por sentir frio à noite, pois só tinha um lençol para cobrir-se e um par de tamancos para passear na masmorra em que estava preso que é toda uma lagoa cheia imundície e de péssimo cheiro".

Masmorra sob a muralha externa, com entrada de luz indireta pela porta de grade.

Estes fatos hoje fantasiados revelam o martírio do líder farrapo que chegou na Bahia, em 26 de agosto de 1837, conforme observou o Jornal , local apresentado "ar seco, aspecto melancólico e sisudo".

 

Bento Gonçalves na Presidência da República

 

Em Viamão, Bento reassumiu a Presidência e o Coamdo-em-Chefe do Exército, com a Revolução em melhores condições em deixara. Onofre Pires apresentou-lhe reação em entregar-lhe o comando, conforme queixou-se Bento a Caldeira.24

Com célebre incidente de Bento Manuel, pretendo o Presidente da Província, em Itapevi, Alegrete, quando este ia prendê-lo, a causa republicana ganhara um novo alento.

No período de 23 de março de 1837 a 18 de julho de 1839 em que Bento Manuel lutou pelos farrapos, acrescido do período de neutralidade 15 de julho de 1839 a 8 de novembro de 1842, ou portanto durante 5 anos 7 meses e 16 dias, a República Rio-Grandense estruturou-se e se organizou melhor até 1840, quando começou a declinar, em razão do grande endividamento interno e externo.

Nessa fase, Bento Gonçalves atuou mais como político e diretor da guerra no campo estratégico, como Presidente e Comandante-em-Chefe do que comandante tático.

 

Grande endividamento interno e externo

 

Depois de quase 5 anos de revolução a economia do Rio Grande a base da pecuária que a sustentava começou a apresentar sinais de exaustão e a crescer em demasia o endividamento externo e interno.

Os créditos internos e externos se retraíram com reflexos no apoio logístico e administrativo ao Exército da República.

Surgiu oposição a Domingos José de Almeida que deixou a estrutura de apoio logístico que detinha como Ministro da Fazenda e Interior, cercado de acusações das mais injustas, segundo interpretações dominantes.

Os demônios das revoluções, as contradições, as insatisfações, as injustiças, as calúnias, osdesejos divergentes, as ambições incontroláveis, e as frustrações, etc. foram soltos nos campos da República Rio-Grandense e substituídos pelo gado que sustentara a luta e as cavalhadas.

Estas, agora desgastadas, eram a base da mobilidade farrapa e penhor para prolongamento da luta, e, ela assim, sobreviver e manter acesa a esperança de uma solução honrosa.

Em 1840 foi eleita a Assembléia Constituinte, em Alegrete, de 36 deputados. Liderou a maioria de 30, Domingos José de Almeida e a minoria de 6, Antônio Vicente da Fontoura, ambos inimigos: Fontoura foi apoiado por Onofre Pires.

Foram sessões tumultuadas de 1º de dezembro de 1841 a 16 de fevereiro de 1842, quando tinha lugar a a aproximação do Conde de Caxias de Alegrete. 25

Foi inclusive apresentado um projeto de abolição da Escravatura, pelo Coronel José Mariano de Matos, mas rejeitado. 26

O Império através de seus agentes procurava minar para reinar, segundo se conclui de Morivalde Valvet Fagundes, ao custo da derrubada de Bento Gonçalves. 27

Bento foi acusado de autor intelectual do assassinato do Vice - Presidente Antônio Paulino da Fontoura, caso rumoroso abordado pelos historiadores da Revolução.

Embora contando com apoio da maioria, Bento Gonçalves renunciou em 4 de agosto de 1843, passando a Presidência a Gomes Jardim e o Comando – em - Chefe a David Canabarro. 28

Foi lutar como comandante de Divisão. Ao passar o comando a Canabarro, referiu-se a este como "benemérito e ínclito rio-grandense".

Exortou a todos a se reunirem em torno de tão virtuoso patriota, desse novo Fábio ( Gomes Jardim ), que pela segunda vez deixa a "charrua" ( arado ).

A renúncia teve lugar em Piratini, novamente capital desde março de 1843, depois de ter sido em Caçapava e Alegrete.

Nesta fase, Bento como comandante de Divisão, tomou parte dos dois combates de Canguçu, em 25/26 de outubro de1843 ( Pedras das Mentiras) e 6 de novembro de 1843 ( Cerro do Ataque ), ao lado do Cerro da Liberdade, na tentativa de lá desalojar Chico Pedro de Abreu, desde agosto, instalado em Canguçu com a Ala Esquerda do Exército de Caxias, conforme estudamos.29

 

Duelo com coronel Onofre Pires

 

Logo depois desses combates de Canguçu , terra de Teixeira Nunes e de Manoel Alves da Silva Caldeira, 30 ,Bento duelou com Onofre Pires, que morreu em 3 de março de 1844.

Em carta a Domingos de Almeida de 4 de março, Bento descreveu o duelo: "fim desastroso de Onofre, que fazia o papel de Santerre"( da Revolução Francesa ) na minoria ( liderada por Antônio de Fontoura ) que o incitara "a provocar-me tão atrevidamente... a paixão dominava a minoria e por isso, vendo aquele homem tão corpulento, o julgaram um gigante e eu um pigmeu.

Enganaram-se e, depois escondendo todos os rabos, se retiram de Onofre, ao ponto de não achar-se um só desses malvados a seu lado, ao menos na hora da morte. Que malvadeza!!!

Eu lamento a sorte de Onofre, mas não tenho o menor remorso, porque obrei como verdadeiro homem de honra. Em tais casos obrarei sempre assim, não me importando com o tamanho nem com a fama da pessoa que se atreva a atacar a minha honra"31. Bento Gonçalves possuía 54 anos ou a desvantagem de 10 anos a mais que o corpulento e atlético Onofre Pires.

Escudado em imunidade parlamentar Antônio da Fontoura acusou Bento Gonçalves de general sem sorte, que teve a infelicidade, como companheira de seus passos e operações. Só vencendo as batalhas de Setembrina, a retirada sobre Gravataí e ação de Arroio dos Ratos.

Onofre Pires entre outras acusações genéricas não provadas, assacou contra seu primo estas palavras - "Ladrão da fortuna, ladrão da vida, ladrão da honra e ladrão da liberdade."

 

Participação na Pacificação e Final

 

Bento Gonçalves participou do encaminhamento da pacificação em Ponche Verde em 1845, cedendo face "um valor mais alto que se levantava" - a ameaça de Rosas da Argentina intervir em apoio ao Rio Grande do Sul, desequilibrando a balança para a causa republicana, contra o Império, o que o Ministro da Justiça do Império, Marquês do Paraná, percebeu e tratou de apressar a paz. Este personagem mineiro e muito conciliador era o modelo do falecido Presidente Tancredo Neves.

Pobre, depois de haver perdido seus bens no Uruguai ao lutar contra Artigas 1816-21, apoiar a Independência do Brasil e combater na Cisplatina (1825-28 ), Bento foi tentar refazer sua vida no Cristal, hoje Parque Histórico em sua memória. Teve de pedir emprestadas 150 cabeças de gado.

Ele foi recebido pelo Imperador em 10 de dezembro de 1845.

Em 18 de julho de 1849, vítima de pleurisia, veio a falecer em Guaíba ( atual ) na casa de Gomes Jardim.

Local onde planejara e dera início à Revolução de 20 de setembro, marco inicial do processo revolucionário histórico rio-grandense, encerrado quase um século depois, ainda em Piratini, no combate de Cerro Alegre ,de 20 de setembro de 1932, assinalado pela prisão do Dr. Borges de Medeiros e seu envio preso para Pernambuco, segundo Osório Santa Figueiredo.

Não fora a morte de Bento Gonçalves, seguramente o teríamos em campo, à frente de uma Divisão Brasileira, comandando seus co- provincianos na defesa da Integridade e da Soberania do Brasil, no Prata, contra Oribe e Rosas, como o fizera com destaque na invasão de Alvear. Mas seu filho Caetano o representou a altura na Guerra do Paraguai e seu neto Major do Exército Bento Gonçalves da Silva como comandante do Corpo de Transportes no sitio federalista do Rio Negro e de Bagé.

É um herói nacional por sual contribuição civil e militar à implantação da República no Brasil, em 15 de novembro de 1889, regime no qual vivemos há mais de um século.

Ao leitor interessado, para um melhor julgamento do herói, recomendamos a leitura serena do Diário de Antônio Vicente da Fontoura 32 que ao prosseguir de modo obsessivo e altamente meritório a Paz, tinha sido injusto com Bento Gonçalves e outros líderes em seus conceitos, desde que passou a liderar a minoria oposicionista a Bento, em 1841. Prestamo-lhe as homenagens que foram possíveis em 1985 - Sesquicentenário Farroupilha 33 .O programa Guerra dos Farrapos da TV Bandeirantes em 2 de dezembro de 1985, penso, distorceu a imagem sesquicentenária do herói 34 honrado e distinto chefe de família , o que a minisérie A casa das sete mulheres restaura no essencial

"Eu sou eu e as minhas circunstâncias " afirmou Ortega y Casset. Bento Gonçalves tem de ser julgado e entendido nas circunstâncias que enfrentou. Circunstâncias que estudos recentes feitos com muita seriedade científica e competência por Décio Freitas, Sandra Jatahy Pesavento e Helga I. L. Piccolo 35 ajudam a bem entender a eclosão da Revolução Farroupilha que não poderia ter líder mais representativo do que Bento Gonçalves, que encarnou o espírito do Rio Grande do Sul.

Trabalhos que ajudarão a redimi-lo de investidas sensacionalistas , de distorções da imagem do herói ao tentarem apresenta-lo como herói ladrão ou um conquistador machista e ditador barato.

Sabemos que não foi um Deus, que foi um homem normal com virtudes e defeitos, mas que correspondeu ao que dele esperaram os rio-grandenses e que dele fizeram, faz século e meio, seu vulto maior.

E mais do que isto, é um herói do Exército Brasileiro por sua memorável e distinta atuação na Guerra Cisplatina em 1825-28. E aí estão eloqüentes as partes de combate atestando sua significativa contribuição.

Sobre sua opinião sobre a Paz de Ponche Verde transcrevo o seu pensamento em documento enviado a Davi Canabarro.

 

Bento Gonçalves e a Paz

 

"Cidadão General David Canabarro General em Chefe do Exército

Em observação a quanto ordenais em vosso ofício de 21 de janeiro último, chamei a conselho os oficiais superiores da força de meu imediato mando para emitirem suas opiniões sobre a transcendente negociação entabolada com o Barão de Caxias, comandante – em - chefe do Exército Imperial, e pela Ata que aqui junto envio ,vereis o unânime acordo dos mesmos.

No dia 18 do corrente marchei do Cristal no empenho de cumprir vossa ordem, depois de haver tomado as precisas medidas para a segurança daquela força, e chegando a Jaguarão no dia 19, uma inopinada constipação (resfriado) me privou de prosseguir a marcha a esse campo, e resolvi a ele mandar o cidadão Ismael Soares da Silva, seguindo o Exército Imperial , a fim de ser informado do ponto que ocupais e estado da negociação pendente.

Ele acaba de regressar voltando do campo deste por saber que só aguardavas a minha chegada, e ser isto impossível segundo meu estado de saúde.

É pois de meu dever dirigir-vos esta para anunciar-vos quanto venho de responder e habilitar-vos com meu voto para conclusão de tão apetecido arranjo.

Minha opinião , Sr General, é e será aquela que adote a maioria de seus irmãos de armas, sempre que esteja nas raias do justo e do honesto, e, ainda, mesmo, quando no caso vertente estes sagrados objetos deixem de ser observados, nem por isso serei capaz de a ela opor-me, tendo eu outros meios em semelhante caso ,para deixar ilesa minha honra e consciência.

A paz é indispensável fazer-se , o país altamente a reclama pois infelizmente vítima de nossos desacertos nada temos a lucrar com os azares da guerra .

Eu vejo, mau grado meu, que hoje não podemos conseguir vantagens que estejam em harmonia com nossos sacrifícios, por se haver, a despeito de meus incessantes conselhos, perdido a melhor quadra de negociar-se uma conciliação honrosa.

Nada sei das condições em que se tenha a paz lavrado, e mesmo das instruções que conduziu o comissionado da Corte do Brasil, e sendo tudo para mim misterioso me abalanço a lembrar-vos que uma das primeiras condições deve ser o pleno esquecimento de todos os atos que individual ou coletivamente tenham praticado os Republicanos durante a luta, não sendo em nenhum caso permitido a instauração de processo algum contra estes, nem ainda para reivindicação de interesses privados.

Tendo emitido minha opinião, resta-me repetir-vos que a paz é absolutamente necessária, que os meios de prosseguir na guerra se escasseiam, o espírito público(opinião pública) está contra qualquer idéia que tende a prolongar seus sofrimentos, classificando de guerra caprichosa a continuação da atual.

Uma conciliação é sempre preferível aos azares de um derrota; a história antiga e a moderna nos fornecem mil exemplos que não devemos desprezar. ( O grifo é do autor )

Compenetrai-vos desta verdade e evitai quando puderdes os funestos sucessos que vão aparecer se prevaleceram as bravatas contra os conselhos da sã razão.

Lembrai-vos que muitos que os propalam vos abandonarão no momento do perigo.

Eu pretendo esperar aqui vossa ulterior resolução, e só depois dela poderei mover-me quando minha saúde o permita.

É portador o Tenente José Narciso Antunes por quem espero uma resposta categórica destes negócios.

Deus vos guarde. - Estância do Velho Neto , 22 de fevereiro de 1845. Ass:Bento Gonçalves da Silva ."

Depois de 6 dias de feita a Paz em honrosas escreveu a Dionísio Amaro da Silva :

...Por fim temos uma paz que só conseguimos algumas vantagens pela generosidade do Barão de Caxias ,deste homem verdadeiramente amigo dos rio-grandenses ,que nào podendo fazer-no publicamente a paz, por causa da péssima escolha e da estupidez sem igual dos que a dirigiram , nos fez o Barão do caxias o que já não podíamos esperar ,salvando assim em grande parte a nossa generosidade .E finaliza :

"Sigo para a minha pequena fazenda ,unicamente com a ingente glória de achar-me o homem ,talvez ,mais pobre do pais."

PS:A numeração em vermelho refere-se a notas do texto no livro O Exército farrapo e os seus Chefes.

(x)Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e do Instituto de História e Tradições do RGS bento@resenet.com.br