A HILÉIA À LUZ DA GEOPOLÍTICA
Texto do Escritor-Historiador
Germano Seidl Vidal escrito em 1950.
É Veterano da Artilharia da FEB e acadêmico emérito da AHIMTB
INTRODUÇÃO AO ESTUDO
Tempos atrás ciência houve que explicava todos os fenômenos políticos ocorridos
ou para se realizarem: a Economia.
A análise dos fatos da História de todos os povos era feita, então, vendo-se
sempre as condições financeiras ou econômicas "comandando" a intricada Política.
Hoje, após os estudos de Ratzel, Kjellén, Mackinder e Haushofer surgiu a nova
"profecia", utilizada para devassar as ambições de poder das potências mundiais
e orientar as pretensões dos mais fracos: a Geopolítica.
É a ciência que ensina fazer Política por intermédio da Geografia, segundo as
idéias do erudito professor patrício Everardo Backheuser.
HILÉIA - TESOURO DO BRASIL
Nosso torrão natal, o "grande arquipélago de oito milhões e meio de quilômetros
quadrados" possui 40% de extensão territorial cobertos pela floresta inóspita da
Bacia Amazônica.
A esta região denominou Humboldt de Hiléia, criando o neologismo agora tão em
moda.
O rio Amazonas percorre 6 420 quilômetros da América do Sul, recolhendo em seu
seio águas de número considerável de afluentes.
A região por ele banhada abrange, em nosso território, segundo estimativa do
Conselho Nacional de Geografia. 3 406 000 quilômetros quadrados; porém,
incluindo-se as áreas vizinhas da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela e
as três Guianas - Francesa, Inglesa e Holandesa - compreende cerca de sete e
meio milhões de quilômetros quadrados.
Quanto aos tesouros naturais do vale amazônico eles são verdadeiramente
incalculáveis.
A flora, a fauna, as riquezas do subsolo existentes na vasta bacia têm aspecto
verdadeiramente fantásticos, pois, pesquisadores esparsos fazem referências
estupendas às possibilidades desta terra virgem inexplorada, inclusive a
suposição da existência de rica faixa petrolífera e de jazidas de urânio e
tório!
INTERFERÊNCIAS ALIENÍGENAS
Em todas as épocas de nossa História tentativas foram realizadas por ingleses,
franceses e holandeses - pelo litoral - e argentinos e paraguaios - pelas
fronteiras terrestres - para domínio da grande Bacia; quer pela conquista da
embocadura do rio-mar, quer pela posse de regiões periféricas da Hiléia, que
lhes permitissem o controle futuro da imensa área.
Já, então, os portugueses ou brasileiros - verdadeiros "donos" do território -
defenderam-se e repudiaram, com desassombrada bravura, todas as tentativas
estrangeiras contrárias aos interesses da nascente e grande nação brasileira!
Agora, nos dias hodiernos, à luz "clara e meridiana" das liberdades
democráticas, tentam, mascaradamente, roubar-nos a soberania sobre a maior e
mais rica região de nosso território.
Na primeira conferência geral da UNESCO, realizada em Paris, em novembro de
1946, nasceu a idéia da criação do organismo internacional para trabalhos na
Amazônia.
Foi, posteriormente, solicitado do governo brasileiro a instalação, sob seus
auspícios, da Conferência Científica de Belém (Pará) - realizada em agosto de
1947.
Por ocasião da segunda conferência da UNESCO, realizada no México, foram
discutidas as decisões tomadas em Belém, prevendo-se um novo convênio para
tratar do assunto.
E, desta forma, foram convidados a participar de um grande conclave meia centena
de países, para debaterem um "probleminha" brasileiro...
CONVENÇÃO DE IQUITOS
Reunidos os representantes das nações em apreço na pequenina cidade de Iquitos
(Peru), sem rádio e sem imprensa devidamente aparelhados para divulgar o
desenvolvimento dos importantes trabalhos, foi promulgada, sob os auspícios da
UNESCO, a Convenção de Iquitos e com o assentimento dos três representantes
brasileiros.
Quem ler os artigos dessa Convenção, mesmo desconhecendo os complexos
fundamentos da Geopolítica, em seus conceitos primitivos ou modernos, ficará
arrepiado da ingenuidade das asserções neles contidas com o fito diplomático de
encobrir o espólio de nosso patrimônio territorial e a clara violação da
soberania das nossas leis, especialmente a Carta Magna da Constituição da
República!
O Instituto Internacional da Hiléia Amazônica terá direitos de "promover,
conduzir, coordenar e divulgar os estudos da mencionada zona geográfica que será
oportunamente delimitada".
Para realizar estes propósitos, o Instituto poderá "estabelecer, fomentar e
manter colaboração efetiva entre governos, organizações, grupos e pessoas
interessadas" - sem outras "demarches" e entraves do Governo do Brasil.
O "espoliado" tem evidentemente um dever: a obrigação de concorrer com a metade
do orçamento anual do Instituto (150 mil dólares)!
Assim, seríamos em breve um voto contra cinqüenta no Instituto e ao sabor dos
apetites e "trustes" os mais lamentáveis e sem possibilidade de escaparmos ao
"saque" por processos diplomáticos - porque a Convenção não permite desistência
das obrigações assumidas.
OPINIÕES DOS ÓRGÃOS COMPETENTES
A imprensa tem divulgado várias opiniões relativas ao problema.
O Estado-Maior Geral das Forças Armadas consultado a respeito de assunto de tal
magnitude enviou seu parecer favorável quanto à criação do Instituto, fazendo-o,
entretanto com importantes e fundamentais restrições, expressando-se entre
outras considerações, do seguinte modo:
"... os objetivos científicos visados pelo Brasil, quanto à criação do organismo
internacional de estudos da Amazônia, poderiam ser alcançados plenamente, sem
riscos para nossa segurança, se se houvesse tido o cuidado de deixar as funções
executivas dentro de cada país, a cargo de um organismo nacional, reservando-se
ao organismo internacional unicamente a incumbência de orientar as pesquisas e
orientar os recursos necessários às informações científicas ou difundí-las".
A Comissão de Diplomacia e Tratados da Câmara dos Deputados manifestou-se
unanimemente de acordo com a assinatura pelo Brasil da Convenção de Iquitos.
Entretanto, o Instituto Brasileiro de Geopolítica emitia um precioso parecer
sobre o assunto, sendo, formalmente contrário à ratificação da aludida
Convenção.
A patriótica e abalizada opinião deste grande núcleo de estudiosos brasileiros
que honram as tradições do preclaro chanceller Rio Branco, será, sem dúvida, o
grito de alerta contra a concretização do "inócuo" Convênio.
Estamos, portanto, de parabéns por sabermos que os cientistas da Geopolítica, no
país, estão de pé, constituindo o esteio promissor da nossa inviolabilidade
territorial, tão duramente defendida, em quatro séculos de luta, por nossos
bravos antepassados.
E, para que possam os leitores julgar o judicioso e patriótico parecer da
Comissão encarregada desses estudos no Instituto Brasileiro de Geopolítica,
presidida pelo Major Brigadeiro Lysias Augusto Rodrigues, inserimos aqui a sua
conclusão, feita após longa e argumentada exposição de motivos:
"Somos de parecer que:
a) - A Convenção do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica deve ser
rejeitada "in-limine", como prejudicial aos altos interesses nacionais, que
constituem a diretriz indiscutida da nossa Geopolítica;
b)- que em compensação seria aconselhável a organização de um Instituto Nacional
da Hiléia Amazônica, fazendo parte integrante do Plano de Valorização do
Amazonas, na qual ficasse estabelecida, a par de melhoramentos necessários aos
cursos d'água navegáveis, a construção das rodovias Cuiabá-Porto Velho,
Aragarças-Manaus, Fortaleza-Belém, Macapá-Clevelandia - Oiapoque e Manaus -
Caracaraí - Boa Vista."
No Congresso Nacional, dois ilustres parlamentares debatem a questão: os
senhores Arthur Bernardes e Carlos de Lima Cavalcanti.
Em um dos discursos do representante mineiro encontramos a feliz transcrição de
dois magníficos trechos que abaixo inserimos:
"Deveis ter sempre em vista que é loucura esperar uma Nação favores
desinteressados de outra e que tudo quanto uma Nação recebe como favor terá de
pagar, mais tarde, com uma parte de sua independência". (George Washington)
"Agora, o que a política e a honra nos indicam é outra coisa. Não busquemos o
caminho de volta à situação colonial. Guardemo-nos das proteções internacionais.
Acautelemo-nos das invasões econômicas. Vigiemo-nos das potências absorventes e
das nações expansionistas. Não nos temamos diante dos grandes impérios já
saciados, quanto dos ansiosos por se acharem tais à custa dos povos indefesos e
mal governados. Tenhamos sentido nos ventos que sopram de certos quadrantes do
céu". (Rui Barbosa)
CONCLUSÕES - À LUZ DO PATRIOTISMO
Não nos rotulamos em profundos conhecedores do assunto.
Somos unicamente patriotas - como o foram: Pedro Teixeira, Jacome Raimundo de
Noronha, Feliciano Coelho de Carvalho, João Pereira de Cáceres, Sebastião Lucena
de Azevedo e Francisco de Sousa Fundão, que durante o transcurso do Século XVII
aniquilaram as investidas estrangeiras para conquista da Amazônia.
Colocamo-nos ao lado da patriótica campanha contra a Convenção do Instituto
Internacional da Hiléia Amazônica para prestarmos humilde colaboração aos
grandes brasileiros de hoje, que desejam, agora e sempre, defender a integridade
de nosso território.
Cremos que, com os dois milhões de cruzeiros a serem dispendidos, anualmente, na
manutenção do Instituto Internacional aludido, os cientistas patrícios - tão
competentes quanto quaisquer outros do Mundo, - fariam milagres de real evolução
no aproveitamento do Amazonas.
Valorizaríamos, assim, o nosso "habitat", a nossa gente, a nossa cultura, as
nossas riquezas...
E, não precisaríamos ser egoístas nas nossas conclusões.
Divulgaríamos os estudos e trabalhos, certos de que a Ciência, exclusivamente
ela e as religiões, não têm fronteiras!...
Somos, todos os brasileiros, herdeiros das virtudes excelsas de nossos avoengos,
que nos legaram uma Pátria livre, soberana e vasta para que nela possamos erguer
o Brasil forte e progressista, evoluído moral, política e economicamente para
engrandecimento do homem na Terra!
O Itamaraty está preparando, agora um "Protocolo Adicional" à Convenção em
apreço, atendendo a imperiosa necessidade de defesa do patrimônio da nação.
Por isto, temos fé que:
- a Pátria repudiará todas as fórmulas atentatórias aos justos princípios da
salvaguarda de sua soberania e integridade territorial;
- os homens que conduzem o Organismo Internacional, a UNESCO, saberão melhor
definir sues propósitos dentro da verdadeira solidariedade dos povos livres,
amantes da Paz!
Este artigo foi escrito quando o Escritor era Capitão e foi publicado na "A
DEFESA NACIONAL" - Nº 432 - JUL 1950.
Atualmente está inserido no “site” www.guerraproscrita.com.