ANÁLISE DA ATUAÇÃO LUSO-BRASILEIRA EM FACE DOS PRINCÍPIOS DE GUERRA

 

- Objetivo

O objetivo era travar uma batalha decisiva com os holandeses que destruísse seu poderio militar.

E a esta tarefa entregaram-se os luso-brasileiros com grande determinação, ocasionando 1.500 baixas iniciais entre os holandeses e eliminando em combate, por morte ou prisão, quatro dos seis coronéis, além de dois tenentes-coronéis e muitos capitães, tenentes e alferes.

Além disso, passaram para mãos luso-brasileiras grande parte dos recursos logísticos, consistentes de armamentos de toda a ordem, farta munição, dinheiro, roupas e víveres, pois os holandeses, ao deixarem o Recife, segundo Lopes Santiago, "Saíram para a campanha de casa mudada".

No objetivo de destruir o inimigo, tão logo os holandeses retornaram ao Recife, o Mestre de Campo Barreto de Menezes determinou que se ocupassem as estâncias fronteiras ao Recife e retornassem Olinda dois dias após a batalha.

Na retomada de Olinda, os holandeses sofreram pesadas baixas no seu efetivo de 600 homens e foram obrigados a confinar-se no Recife, deixando em mãos dos luso-brasileiros copioso material logístico, incluindo-se cinco peças de artilharia. Os holandeses derrotados em Olinda entraram no Recife aos gritos de: "Dinheiro! Dinheiro!".

Alguns cronistas têm criticado a inobservância total do princípio do objetivo por parte dos luso-brasileiros e outros têm procurado justificá-lo com o enorme cansaço físico, decorrente da renhida batalha e o castigo de copiosa chuva caída sobre o campo de combate na noite que se seguiu à batalha.

Estas justificativas procedem mas não são as essenciais.

A razão tática que justifica a não perseguição residiu na própria decisão de enfrentar-se os holandeses nos Guararapes ao invés de em campo aberto na Barreta, onde estes poderiam tirar o máximo partido de suas principais características de combate.

Aqui convém lembrar que os efetivos holandeses, apesar de terem sofrido 1.500 baixas, ainda continuavam com o apreciável efetivo da ordem de 3.100 homens (Gen Van der Branden), contra um efetivo disponível luso-brasileiro, da ordem de 1.700 homens.

Acresce o fato de os holandeses terem-se reorganizado logo após a batalha e até à noite; persegui-los nestas circunstâncias seria expor-se a grave risco.

Concluindo, podemos dizer que o Mestre de Campo Francisco Barreto de Menezes aplicou, com raro brilho, intuitivamente e em toda a sua plenitude, o princípio de guerra do objetivo.

Não perseguiu o inimigo em retirada, o que seria uma temeridade, mas aproveitou judiciosamente o êxito ao retomar Olinda e reocupar estâncias fronteiras ao Recife, submetendo os holandeses aí a um cerco mais apertado que antes da chegada da esquadra de socorro.

 

- Massa

Este princípio o Mestre de Campo o aplicou de maneira brilhante antes e durante a batalha.

Antes da batalha, ao decidir procurar o encontro decisivo com 88% de seu poder do combate ( 2.200 homens).

Durante a batalha, por colocar no Boqueirão a maior e melhor parte de seus efetivos, com a dupla finalidade: defensiva, ao aparar o ataque principal holandês desfechado sobre esta posição; e ofensiva, após atrair os holandeses sobre este ponto e desfechar-lhes violento ataque de ruptura, seguido de ataque envolvente da ala esquerda, que destruiu muitos inimigos nos alagados.

O fato de haver escalonado sua reserva ao comando de Vidal de Negreiros, provavelmente infantaria da Bahia, imediatamente atrás das forças de Fernandes Vieira, encarregada de aparar o golpe holandês e, em seguida, partir para violento ataque repercutiu na observância intuitiva, com brilho e inteligência, o princípio de guerra da massa.

 

- Economia de meios

Este é uma decorrência do emprego correto do princípio da massa.

Seu judicioso emprego pode ser caracterizado antes e após a batalha.

Antes da batalha, ao deixar somente 300 homens encarregados da guarda do Arraial e de estâncias próximas, com o fito de assegurar-se contra alguma pequena ação diversionária holandesa partida do Recife.

Durante a batalha, ao destinar para as alas e ao comando de Henrique Dias e Filipe Camarão frações compostas de pretos e índios levemente armados, com deficiente enquadramento e instrução militar e, por isto, inadequados para ações de choque.

Estes elementos no entanto foram aproveitados para ações de fixação nas alas, dadas suas características de leveza de equipamento, de serem aptos a ações tipo escaramuças, bem como de combaterem em grande dispersão.

Pequena fração deles, mesmo usada em tais circunstâncias, quase comprometeu a batalha ao abandonar a ala esquerda para espoliar os holandeses mortos pelo fulminante ataque central.

Os índios tapuias, levados pelos holandeses, ao primeiro embate dum combate clássico, debandaram do campo de batalha.

Este princípio, intuitivamente, foi empregado de maneira judiciosa pelo Mestre de Campo Barreto de Menezes .

 

- Ofensiva

O pouco efetivo luso-brasileiro, agravado por deficiências logísticas de toda a ordem, conduziria os chefes luso-brasileiros à continuação de uma guerra de emboscada ao invés da procura da batalha decisiva.

Mas este não foi o comportamento luso-brasileiro, pois através de um estratagema tático (emboscada), criou-se o ponto fraco no dispositivo holandês, para em seguida lançar sua massa de manobra, com todo o ímpeto ofensivo, sobre esse ponto fraco, o centro holandês, rompendo-o e envolvendo a ala direita inimiga, causando de 1.500 baixas no primeiro embate.

Quando os flamengos empregaram a reserva sobre nossa ala esquerda, combinando-a com um ataque central de fixação, mais uma vez pasaríamos à ofensiva sobre o centro.

Após o primeiro embate violento, os luso-brasileiros, cansados e desorganizados, foram reunidos sob a liderança do Mestre de Campo Barreto de Menezes, que, na beira do regato, junto aos montes do Telégrafo (atual) e a garupa do Oitizeiro, presumivelmente, os exortou à arrancada derradeira.

Seu apelo de líder foi atendido!

E mais uma ação ofensiva teve lugar, obrigando os holandeses, após batidos, a retirar-se para o atual monte do Telégrafo, carregando ferido seu próprio comandante, Sigismundo Von Schkoppe.

Assim, podemos dizer que o Mestre de Campo Barreto de Menezes criou o momento ofensivo e o aproveitou espetacularmente, bem como um novo momento ofensivo ao final da batalha, quando fez presente sua ação de líder de combate ao reorganizar e conclamar para derradeiro esforço um dispositivo desorganizado e extenuado após a ofensiva inicial de três horas, elém de estarem 24 horas sem alimentação.

 

- Segurança

A observância deste princípio pode ser caracterizada pelos seguintes fatos:

- Antes da batalha

- Durante a batalha

- Após a batalha

- Manobra

A correta e brilhante observância deste princípio pelos luso-brasileiros pode ser caracterizada pelos seguintes pontos:

 

- Surpresa

O fato de o Boqueirão estar ocupado pelo que os holandeses julgaram ser uma fração de 200 a 300 homens. Esta surpresa foi confirmada pelo Coronel Kerwaen, feito prisioneiro nesta batalha.

O fato de partirem sobre o Boqueirão e, através deste e dos alagados, em perseguição a uma pequena força que julgavam ser a única existente na direção de atuação, sofrendo logo a seguir, violento e avassalador ataque do grosso luso-brasileiro ali disposto, o que eles em absoluto não podiam esperar diante das informações disponíveis e da análise das possibilidades do inimigo.

Prova disto são os holandeses em debandada, abandonando seus armamentos, ocasião aproveitada pelos luso-brasileiros para realizarem a maior destruição possível, baseados na confusão generalizada no dispositivo holandês, completamente surpreendido.

O judicioso, eficiente e original emprego intuitivo do princípio de guerra da surpresa, combinado com os de massa e ofensiva, foi o maior responsável pela brilhante vitória luso-brasileira nesta batalha.

 

- Unidade de Comando

A Unidade de Comando, definida por Napoleão como "a necessidade primeira da guerra", seria observada rigorosamente pelos luso-brasileiros um século e meio antes, e da forma ideal expressa por Napoleão. Unidade de Comando, consistente na direção política e militar, encontra-se nas mãos de um único homem, e Barreto de Menezes dispôs desta condicão ao assumir o comando político e militar de Pernambuco.

Ao contrário, os holandeses tinham a direção militar repartida entre o tenente general Von Schkoppe e o Conselho Holandês do Recife; e a direção política repartida entre o Conselho do Recife e o governo holandês distante na Europa.

Este mesmo princípio, sob a forma de comando único, atribuído a Caxias no Paraguai, foi um dos grandes responsáveis pela mudança de ritmo daquela guerra e as memoráveis vitórias conseguidas desde então.

À consecução deste princípio, nos tempos modernos, antepõem-se embaraços de toda ordem: militares, políticos, econômicos e sociais —, mas a observância dele continua sendo, conforme definiu Napoleão, "a necessidade primeira da guerra". Do contrário, acarreta um processo decisório retardado, omisso, inoportuno, em que é freqüente o "lava mãos de Pilatos".

Do princípio de Unidade de Comando, hoje decorre a necessidade dos comandos combinados, ao invés de conjuntos, mas de difícil concretização, embora altamente ideais, quando se trata de combinar exércitos de várias nações, ou mesmo forças singulares de uma mesma nação.

A responsabilidade da decisão militar na guerra deve concentrar-se nas mãos de um só chefe militar.

Em Guararapes, com Barreto de Menezes, e, no Paraguai, com Caxias, foi atendida "esta necessidade primeira da guerra", e os resultados, memoráveis vitórias.

Que estes magníficos exemplos de Unidade de Comando estejam sempre em mente nas Forças Armadas do Brasil e a inspirá-las no presente e futuro.

Para um estudo mais aprofundado sobe trajes civis e militares, sobre armamento então utilizado, consultar Guerra: Expressão das Validades Culturais, do Ten Cel Lauro Alves Pinto (Revista do Arquivo Público de Pernambuco, 1949).

 

- Simplicidade

Foi atendida através de uma manobra simples, que consistiu-se de uma ruptura no centro inimigo, combinado com ataques de fixação nas alas.