MARCHA PARA O CAMPO DE BATALHA

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- Holandeses

a) - 1ª Etapa - Dia 17 (Recife - Afogados)

Ao anoitecer, sob o comando do Ten General Von Schkoppe, os holandeses dão início à marcha na direção sul: Afogados — Barreta —Guararapes.

Saem do Recife na maior euforia e alarde.

A marcha é acompanhada pelo som de trombetas e tambores, mais parecendo um desfile militar do que uma marcha para o combate.

Feriram o princípio de guerra da surpresa.

Com esta providência, os holandeses visavam obter efetivos psicológicos:

- Sobre os luso-brasileiros: minar-lhes o moral, por fazê-los crer da inutilidade de enfrentar um exército tão poderoso.

- Sobre os holandeses: por criar-lhes a confiança na vitória certa e superioridade militar incontestável sobre os patriotas.

O entusiasmo holandês era conseqüência de intenso trabalho psicológico feito sobre os soldados nos três dias que antecederam sua saída para campanha.

Segundo Lopes Santiago, nestes três dias, além de penitência religiosa a que eram obrigados os holandeses, foi-lhes assegurado abundante saque, minimizado o valor dos patriotas do Brasil e exortados a que não dessem quartel ao inimigo.

Aos índios tapuias, seus aliados, foi ordenado que matassem à vontade, não respeitando sexo e idade; enfim, adotar a política de arrasa quarteirão.

Esta política foi muito usada pelos patriotas, no tocante à destruição de recursos materiais, sempre que obrigados a abandonar posições ou engenhos e fazendas aos holandeses.

Os russos lançaram mão deste recurso e, em gigantescas proporções, quando Napoleão invadiu a Rússia.

Este expediente obrigava os holandeses a suprirem-se na Holanda.

Von Schkoppe baseava-se nos sucessos anteriores obtidos na Bahia e esta era a imagem do que de pior iria encontrar pela frente.

A primeira etapa terminou na fortaleza holandesa dos Afogados, situada do outro lado do rio Capibaribe.

Neste local, foram recebidos, festivamente, ao som de trombetas, tambores, vivas e com uma salva de todas as peças de artilharia da fortaleza.

Neste ponto, os holandeses procuravam fazer crer aos luso-brasileiros numa ação militar sobre a Várzea, procurando fixá-los no Arraial Novo, enquanto eles prosseguiriam, tranqüilamente, para o sul. Pernoitaram na fortaleza.

 

b) - 2ª Etapa - Dia 18 - (Afogados — Leiteria) (Boa Viagem)

Às 7 horas, os holandeses retomaram o movimento e atravessaram o rio Capibaribe para a ilha do Nogueira, hoje Bairro do Pina.

Von Schkoppe deixou nos Afogados, à sua retaguarda, um regimento ao comando do Cel Hans, para dar a impressão de que iria atacar o Arraial Novo.

Executaria sua finta para poder marchar comodamente para o sul.

Na ilha, incorporou-se ao grosso duas companhias de mosqueteiros, que transportaram por água, desde o Forte de Cinco Pontas, a artilharia holandesa de campanha.

Na Barreta, antigo sangradouro existente entre o Pina e Boa Viagem, situava-se uma estância ou reduto luso-brasileiro, defendido por 100 homens, em sua maioria de Ipojuca.

Obedeciam ao comando do bravo Cap Bartolomeu Soares Canha.

Os holandeses, utilizando-se de índios tapuias e duas companhias de mosqueteiros, dão combate aos bravos do Cap Bartolomeu Soares da Canha, que resistiram com um denodo sem precedentes, retardando-os em seu avanço.

Os tapuias conseguiram cercar uma fração de 40 homens ao comando de dois alferes, degolando-os barbaramente.

Soares da Canha, no comando do restante de sua força, bate-se leoninamente, com invulgar bravura. Aprisionando, é poupada sua vida, em reconhecimento a seu posto e bravura de soldado.

Submetidos a interrogatórios, os prisioneiros patriotas revelam que existem somente 200 ou 300 homens luso-brasileiros no Engenho Guararapes, no caminho de Muribeca.

Esta informação seria fatal aos holandeses, nos Montes Guararapes, ao serem atraídos ao Boqueirão por cerca de 200 homens ao comando de Dias Cardoso, pois julgaram ser a única fração existente na direção em que atuavam.

Eufóricos com a vitória na Barreta, os holandeses aguardam, na Leiteria (Boa Viagem), que a retaguarda, ao comando do Cel Hans, se juntasse ao grosso, após cumprida, até por volta do meio dia, sua finta nos Afogados: fazer crer que atacariam o Arraial Novo.

Em razão do atraso da retaguarda, os holandeses dormem na praia, numa faixa de terra entre o mar e os alagados.

c) - 3ª Etapa - Dia 19 - (Leiteria — Guararapes) (1 hora)

Pela manhã, os holandeses reiniciam a marcha, esperando alcançar o Engenho Guararapes em duas horas.

Com menos de hora de marcha topam com elementos de segurança luso-brasileiros, na crença de tratar-se de uma pequena fração dos 200 ou 300 homens existentes em sua direção de atuação.

Após algumas escaramuças teria lugar a batalha.

 

Comentário

 Os holandeses, através de uma finta feita pelo Cel Hans nos Afogados, pretendiam fixar o grosso luso-brasileiro no Arraial Novo, enquanto se adiantavam com o grosso do Exército rumo ao sul.

Sabedores, por informações de prisioneiros feitos na Barreta, da existência de somente 200 ou 300 luso-brasileiros na sua direção de atuação, permitem-se desperdiçar tempo, descansando na Leiteria, por uma tarde, e onde passam a noite.

A demora holandesa nos Afogados nos parece fazer parte da finta holandesa, pela qual se esperava que os patriotas acreditassem num ataque sobre o Arraial Novo, o baluarte do sistema defensivo luso-brasileiro.

Assim procedendo, esperavam fixar os luso-brasileiros no Arraial, enquanto eles prosseguiriam incólumes para o sul.

Os toques de tambores, clarins, cornetas e salvas de artilharia parecem pertencer ao plano de finta holandês.

Na crença de ter conseguido ludibriar os luso-brasileiros, o Cel Hans, por volta do meio dia de 18, deixa Afogados. Incorpora-se à tardinha ao grosso na Leiteria.

Com o enorme espalhafato da marcha e desperdício de tempo precioso durante o deslocamento, feriram de morte os princípios de guerra da surpresa, manobra e o da segurança (informações), esse, por não confirmarem a veracidade das informações que lhe foram prestadas pelo inimigo e despreocupação em saber como reagiriam os luso-brasileiros no Arraial.

 

 

- Luso-brasileiros

Através de excepcional sistema de informações, os luso-brasileiros tomaram conhecimento, ainda na noite de 17, de que os holandeses deixavam o Recife.

 - 1º Conselho de Guerra no Arraial Novo (Linhas de Ação)

Incontinente, o Mestre de Campo General Francisco Barreto de Menezes convocou um conselho de guerra, em razão do pouco conhecimento que possuía da campanha de Pernambuco e táticas de combate do patriotas do Brasil, que seguiam padrões predominantemente brasileiros (Lopes Santiago).

Barreto de Menezes, até pouco tempo atrás, fora prisioneiro dos holandeses no Recife, de onde fugira, espetacularmente, auxiliado por Francisco Braz, filho do carcereiro.

Neste conselho de guerra, participaram do processo decisório:

 Fernandes Vieira,    André Vidal de Negreiros,   Antônio Dias Cardoso,

Felipe Bandeira de Melo e Antônio Freitas da Silva.

Felipe Camarão encontrava-se em seu reduto no atual Bairro de Estância.

Em conselho de guerra, foram postas em discussão e analisadas três linhas de ação (alternativas).

 

(Interpretação do autor)

- Linha de ação nº 1 - Adotar a defensiva apoiada em suas estâncias, redutos, trincheiras e Arraial Novo, combinada com pequenas ações ofensivas (emboscadas).

- Linha de ação nº 2 - Adotar a ofensiva, procurando travar uma batalha decisiva, na qual fosse destruído o inimigo pela aplicação do fraco poder de combate patriota, combinado com o seu judicioso aproveitamento militar do terreno, da surpresa e do ímpeto ofensivo.

- Linha de ação nº 3 - Retirada para o cabo de Santo Agostinho, onde seria organizada a resistência.

Após a análise das linhas de ação, com base nos pareceres de Barreto de Menezes, Vidal de Negreiros, Fernandes Vieira e Antônio Dias Cardoso, ficou decidido pela adoção da linha de ação nº 2:

— "Procurar travar uma batalha decisiva com o inimigo, tirando partido do terreno, em local estreito e recoberto de matas" (Lopes Santiago).

Contra a adoção da linha nº 1, houve opinião geral, porque implicaria em fazer-se o jogo do inimigo e, em conseqüência, seriam batidos por partes de forte em forte, até a derrocada final.

A linha de ação nº 3, retirada para o cabo Santo Agostinho, foi defendida por Antônio Freitas da Silva, recém chegado da Bahia, aonde fora buscar recursos para a luta (Lopes Santiago).

Contra esta linha de ação, argumentou-se que sua adoção implicaria na entrega pura e simples da principal parte da campanha e do baluarte do Arraial Novo. Enfim, uma derrota sem reação.

Como argumentação favorável à linha de ação adotada, ressaltaram:

- Em caso de vitória, seriam incalculáveis as conseqüências para a causa da Restauração.

- Em caso de derrota, ter-se-iam imolado a serviço de Deus e da Pátria, e a glória conseqüente seria imortal (Lopes Santiago).

Tomada a decisão, assinaram um compromisso de cumprir fielmente o acordado.

A seguir, decidiram, complementarmente, reunir o grosso de suas tropas no Arraial, aguardando a definição da direção de atuação do inimigo, ocasião em que sairiam a seu encontro, à procura da batalha decisiva.

Barreto de Menezes incumbiu o vencedor do Monte das Tabocas, o bravo Dias Cardoso, da missão de esclarecer a direção de atuação que o inimigo tomaria.

Após, Barreto de Menezes confiou a Fernandes Vieira e a Vidal de Negreiros a disposição da batalha, em razão do seu pouco conhecimento do terreno, bem como das táticas predominantemente brasileiras, conforme já nos referimos.

Às 14 horas do dia 18, Dias Cardoso chegou ao Arraial com a notícia de que os holandeses haviam definido a sua direção de atuação para o sul e que marchavam na volta da Barreta (referia-se por certo ao Cel Hans).

Com esta notícia, chegou, também, a do degolamento, na Barreta, de 40 patriotas, em sua maioria de Ipojuca, local de onde partira o primeiro grito de revolta que abriu a campanha da Insurreição de Pernambuco.

Incontinente, o exército luso-brasileiro marchou para o sul, com muitos soldados interrompendo o consumo de sua ração de farinha e outros sem se alimentarem.

Sem alimentação, alguns; e outros, com fraca alimentação, os soldados luso-brasileiros, nas seguintes 24 horas, não conheceriam qualquer tipo de comida "a não ser água com açúcar em pequena quantidade ao final da batalha" (Lopes Santiago).

Apesar disso, enfrentariam a longa marcha forçada do Arraial ao local da batalha e venceriam os holandeses, estando aqueles com os estômagos completamente vazios, contrariando a máxima napoleônica: "Os exércitos marcham sobre seus estômagos".

Esta é uma forte razão para admirar-se o acendrado patriotismo e raça destes bravos artífices do "espírito de nacionalidade brasileira".

Foi despachado à frente, e a toda velocidade, um ajudante, com 20 homens, com a missão de destruir uma ponte no rio Jaboatão (Jangada), no caminho do Cabo.

 

- 2º Conselho de Guerra no Ibura (Linhas de Ação)

Nos campos do Ibura (atual Aeroporto), em razão de pontos de vistas diversos, sustentados por Vidal de Negreiros (atacar em campo aberto) e Fernandes Vieira e Dias Cardoso (atacar nos Guararapes), acordam em fazer alto e aguardar o Mestre de Campo Barreto de Menezes, para que o assunto fosse debatido em conselho de guerra.

Formado o conselho de guerra, foram postas em discussão duas linhas de ação (alternativas).

 

(Interpretação do autor)

 

- Linha de ação nº 1: Atacar os holandeses na Leiteria (Boa Viagem) em campo aberto.

- Linha de ação nº 2: Atacar os holandeses no Boqueirão dos Guararapes, em terreno confinado, que lhes tolhesse a liberdade de manobra e os obrigasse a reduzir a frente de ataque.

Iniciado o Conselho de Guerra, Fernandes Vieira, em defesa de sua idéia, solicitou o testemunho e opinião do intrépido Dias Cardoso "na qualidade de soldado mais prático e experiente em tudo" (Lopes Santiago).

Dias Cardoso confirmou ser militarmente certo o ponto de vista de Fernandes Vieira. E completou mais ou menos nestes termos:

"Ao atacarmos no Boqueirão, compensaremos a nossa inferioridade numérica, por tirarmos o máximo partido do terreno. Com isto, obrigaremos o inimigo a combater dentro de nossa tática e impediremos que tirem proveito de sua potência de fogo e capacidade de manobra pelas alas, por obrigá-los a reduzir drasticamente a frente de ataque. Além disso, obrigaremos o inimigo a combater mais distante de sua base de operações, o Recife, e em local onde existe água abundante para nossas tropas" (Lopes Santiago).

"Ao atacarmos o inimigo na direção da Barreta, enfrentá-lo-emos dentro de suas táticas, próximo do Recife e em local difícil de obter-se água para nossas tropas".

Havendo concordância geral sobre a conveniência de atacar-se o inimigo nos Guararapes, Barreto de Menezes decidiu que a batalha decisiva fosse procurada naquele local.

Sem perda de tempo, fez marchar o exército para os Guararapes, que ocupou no maior sigilo até às 22 horas.

Durante a noite, discutiram o melhor dispositivo a adotar para enfrentar o inimigo no dia seguinte.

Para compensar a falta de alimento, os soldados patriotas devem ter sido aconselhados a dormir, a fim de enfrentar o inimigo na manhã seguinte nas melhores condições.

O acerto militar da decisão defendida por Dias Cardoso no Conselho de Guerra do Ibura poderá ser melhor entendido quando analisadas as táticas de combate de ambos os beligerantes.

O dispositivo adotado pelos luso-brasileiros foi o seguinte:

O grosso, composto pelo terço de Fernandes Vieira, formaria ao sul do Boqueirão, seguido da reserva formada pelo terço de Vidal de Negreiros.

Nas alas, seriam colocados os terços de Henrique Dias (ala esquerda sobre o monte Oitizeiro) e de Felipe Camarão (ala direita sobre a faixa e atrás da Restinga de Mato (Lopes Santiago).

Os luso-brasileiros devem ter iniciado o movimento em torno das 15 horas, levando 7 horas para chegar aos Guararapes, após percorrerem 18 Km (3 léguas) através de campos, e atravessarem o Tejipió e Jequiá (vel. 2,5 Km/h, sendo 3 h de marcha diurna e 4 à noite).

O seu rendimento de marcha foi muito bom, se considerarmos que muitos estavam sem alimentação desde a manhã de 19, e todos mal alimentados, devido à escassez de alimentos no Arraial.

A alimentação básica era a farinha de mandioca, que, na época da batalha, era escassa.

Desde à noite, foi confiada a missão ao intrépido e valoroso Antônio Dias Cardoso, "o mestre da emboscada", no sentido de vigiar se os holandeses marchavam à noite e executar o plano de atração dos holandeses à emboscada no Boqueirão.

Nesse sentido, ele despachou ainda na noite de 18 para 19 vinte homens com a missão de observar a movimentação holandesa.

Esta força chocar-se-ia com a vanguarda holandesa que a repeliu em direção ao Boqueirão.